Professor José Luís Jobim
1) Introdução
É comum entre historiadores dizer que é necessário ter distância temporal em relação a seu objeto, para poder melhor avaliá-lo. A construção do conhecimento sobre o passado, no caso do historiador da literatura, não deveria ignorar vários aspectos, entre eles as categorias constitutivas empregadas nesta construção e o contexto que circunscreve o estabelecimento destas categorias e dos próprios textos como instâncias delas.
2) Texto e História: Primeira Abordagem
Na perspectiva da História, a experiência dos textos do passado não se limita à constatação da existência material do artefato em que primeiro vieram à luz, e de sua diferença em relação a outros suportes materiais de texto, desde as peles de animais até o meio digital.
No entanto, se focalizarmos o texto como estrutura de sentido, do ponto de vista histórico, temos tradicionalmente pelo menos três ângulos de abordagem:
- o que investiga o seu caráter singular e irrepetível;
- o que investiga seu caráter analógico e/ou reiterativo em relação a textualidades anteriores e/ou contemporâneas a ele;
- o que investiga os diversos horizontes dentro dos quais foram produzidos os textos e as investigações sobre os textos.
3) Escrevendo sobre o Passado
Em nossos dias, a própria noção de “passado”, compreendida pelo senso comum à luz do termo “progresso” (que implica que o que vem depois é de alguma forma melhor do que o que existia antes), abriga ao mesmo tempo uma certa desvalorização do que já foi e uma aspiração a que o amanhã seja não apenas diferente, mas melhor do que o hoje.
Para Gadamer, a literatura, sendo intelectualmente preservada e transmitida, traria sua história oculta para cada era; começando com o estabelecimento do cânone da literatura clássica pelos filólogos alexandrinos, copiar e preservar os “clássicos” teria sido uma tradição cultural viva que não preservaria simplesmente o que existia, mas o tomaria como modelar e o transmitiria como exemplo a ser seguido. Significaria que, em vez de se procurarem ou de se encontrarem modelos atemporais, paradigmas, pressupondo-se a atemporalidade daquilo que se procura ou encontra-se – como no passado –, introduz-se uma nova dimensão. Em outras palavras, considera-se que a crença em um elenco exclusivo de normas, vistas como atemporais, é ela própria temporal.
O teórico da literatura René Wellek propõe o termo perspectivismo para desenvolver o trabalho em história da literatura. Para ele, devemos ser capazes de referir uma obra de arte aos valores de seu próprio tempo e de todos os períodos subsequentes ao tempo em que ela surgiu: uma obra de arte é tanto eterna (isto é, preserva uma certa identidade) quanto histórica (isto é, passa por um processo de desenvolvimento que pode ser rastreado).
O sentido produzido pelo historiador da literatura no seu presente é o de uma estruturação de conhecimento direcionada para o passado, mas ligada aos valores do presente e orientada para fins que não necessariamente se correlacionam com os fins dos autores e obras antigas de que ele fala.
Isto não significa adotar novamente aquela perspectiva, nos termos em que ela se colocava então, mas procurar entender como ela se configurava naquele momento, para sermos capazes de perceber e confrontar sua diferença em relação ao agora. Assim, pode-se minimizar um dos principais problemas de nossa relação com o passado: o de julgá-lo exclusivamente com os parâmetros, valores e perspectivas apenas do presente, produzindo veredictos anacrônicos.
Anacronismo:
É o que ocorre quando pessoas, eventos, palavras, objetos, costumes, sentimentos, pensamentos ou outras coisas que pertencem a uma determinada época são atribuídos a outra época. Seria anacrônico imaginar que aviões transportavam os soldados do império romano antes de Cristo, por exemplo.
É sempre muito complicado pretender falar sobre qualquer texto, sem falar sobre contexto, já que, entre outras coisas, os próprios sentidos que são atribuídos aos textos implicam um pano de fundo que de certa forma constitui a visão a partir da qual sua recepção pelo leitor se dará.
Ou seja, gosto literário designa uma estrutura de apreensão do texto que é de algum modo pré-direcionada pelo contexto em que o leitor insere-se. E esta estrutura de apreensão estará presente na sua interpretação textual, interferindo na leitura, como uma espécie de substrato culturalmente enraizado.
Tentar incluir em nosso foco a investigação deste substrato, em vez de ignorá-lo – presumindo que nossa tarefa é apenas lidar com o suposto “texto em si” –, é um dos pilares básicos da atividade do historiador da literatura.
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