Professores
Eduardo Kenedy e Ricardo Lima
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Introdução
As
línguas humanas apresentam um considerável lastro de unidade em
meio à sua evidente diversidade. Muitos fenômenos
linguísticos são regulares e universais. Por exemplo, todas as
línguas possuem:
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nomes e verbos;
-
frases compostas de sujeito e predicado;
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núcleos sintáticos, seus complementos e adjuntos;
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pronomes e advérbios para indicar pessoa, tempo e lugar da comunicação;
-
estruturam o período por meio de orações simples, coordenadas ou subordinadas.
A
análise gerativista
identifica, no componente sintático das línguas do mundo, um
alto grau de homogeneidade, sendo que grande parte das diferenças
sintáticas entre as línguas não se dão aleatoriamente. Pelo
contrário, elas ocorrem de maneira previsível, num limitado eixo de
possibilidades de variação.
O
conceito de Gramática Universal
(GU) é muito
importante para a linguística gerativa. É com ele que os
gerativistas são capazes de sintetizar a heterogeneidade das línguas
do mundo e a homogeneidade linguística prevista pela hipótese
inatista sobre a Faculdade da Linguagem.
A
GU é caracterizada como o estágio inicial da aquisição da
linguagem pela criança, correspondendo,
portanto, ao estado da cognição linguística humana anterior aos
estímulos da língua-E do ambiente.
Os
gerativistas assumem que a GU é composta por dois conjuntos de
elementos. O primeiro deles são os Princípios
Universais,
comuns a todas as línguas humanas, e o segundo são os Parâmetros
Particulares,
que serão formatados conforme a experiência linguística dos
indivíduos.
É
a formatação dos Parâmetros da GU – aliada à aquisição das
arbitrariedades do léxico de uma língua particular – o fator
responsável pela diversidade linguística pelo mundo, por contraste
à universalidade dos Princípios comuns a todos os idiomas.
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A Gramática Universal
Desde,
pelo menos, a época do Renascimento
já
havia uma consciência
de que as línguas humanas guardavam entre si considerável
parentesco sintático, que parecia se esconder sob
as idiossincrasias do léxico e da morfologia dos diferentes idiomas.
Os
eruditos franceses Antoine
Arnauld e Claude Lancelot publicaram,
em 1660, um tratado gramatical que ficou conhecido como “Gramática
de Port-Royal”. Para
eles, o simples fato de qualquer pessoa normal
ser capaz de produzir e compreender a sua língua VERNÁCULA
é
um fenômeno cientificamente importante, que deveria ser explicado
pelos estudiosos. Nas palavras dos autores, a gramática
era
“a arte de falar e entender uma língua” ao mesmo tempo em que
uma
gramática (um
compêndio gramatical) era “a disciplina que apresenta os
fundamentos dessa arte”. Ou
seja, para
eles uma gramática
era
uma faculdade cognitiva humana (uma arte) e também uma ciência
cognitiva (a apresentação dos fundamentos dessa arte).
Vernáculo
= conceito usado na linguística para identificar a língua
natural e espontânea dos indivíduos, adquirida durante a
infância, no processo de aquisição da linguagem. O vernáculo é
anterior à influência cultural da escola e do letramento sobre o
comportamento linguístico da pessoa, sendo, assim, considerado
como a instância mais natural de
uma língua.
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Algumas
considerações do
filósofo
francês René
Descartes
(Século
XVII)
sobre
a universidade da linguagem:
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“é um fato notável que não existam seres humanos tão embotados e estúpidos que não sejam capazes de arrumar várias palavras juntas, formando com elas uma frase pela qual dão a entender os seus pensamentos”.
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a linguagem deve ser interpretada fundamentalmente como a forma de expressão de nossos pensamentos
-
a linguagem é a capacidade humana universal de usar palavras e frases como meio de expressão de ideias
-
as palavras e frases que usamos para exprimir pensamentos são acidentais, isto é, podem variar de indivíduo para indivíduo, de acordo com suas diversas circunstâncias socio-históricas, mas a habilidade em fazer uso dessas palavras e frases é essencial e universal a todos os humanos.
A
relevância de Descartes para
o gerativismo é destacada no título da obra de
Chomsky:
“Linguística
cartesiana: um capítulo na história do
pensamento racionalista”,
na
qual ele
aponta que, desde há muito séculos,
a preocupação com o que é geral e universal nas diferentes línguas
naturais vem sendo objeto de investigação de muitos pensadores da
chamada tradição racionalista na filosofia.
O
filósofo Wilhelm
Von Humboldt
promoveria,
nos
séculos XVIII e XIX, as
seguintes
reflexões
sobre a universalidade da
linguagem:
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destacava que a principal característica das línguas naturais é a sua capacidade da fazer uso infinito de recursos finitos (a principal propriedade da linguagem humana: a recursividade);
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anteviu que todos os humanos possuem uma disposição natural para adquirir qualquer língua específica – o que adiantava a hipótese inatista;
-
dizia que as diferenças entre as línguas encontram-se nos seus meios de expressão, isto é, nas suas idiossincrasias lexicais e morfofonológicas;
-
asseverava haver limites e restrições impostas às diferenças entre as línguas, sendo que tais imposições eram derivadas da cognição linguística humana;
-
dado que a disposição natural para a língua é universal no homem, e visto que cada um tem de possuir a chave para o entendimento de todas as línguas na mente, têm-se como corolário que a forma de todas as línguas tem der ser essencialmente a mesma. A variedade entre as línguas só pode residir nos meios, nos limites permitidos.
Foi
nos
anos 1960, que
Chomsky
com o conceito de Gramática
Universal (GU)
levou
o gerativismo a
ressignificar
a busca racionalista pelos universais linguísticos.
Segundo
os gerativistas, temos as seguintes afirmações sobre a GU:
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é o estágio inicial da aquisição da linguagem;
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corresponde ao estado natural da cognição linguística humana antes do contato da criança com a língua-E de seu ambiente;
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uma propriedade do cérebro humano que é a concretização biológica de nossa Faculdade da Linguagem, sendo a maneira pela qual a disposição para a linguagem deve estar codificada no genoma do Homo sapiens;
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é a “arte que nos permite produzir e compreender a linguagem”, nos dizeres dos gramáticos de Port-Royal;
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é a “chave para o entendimento das línguas”, como previa Humboldt;
-
é a “capacidade humana de expressar pensamentos”, como dizia Descartes;
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o conjunto dos genes responsáveis pelo desenvolvimento da cognição linguística humana;
-
não é o conhecimento de nenhuma língua específica;
-
não a mesma coisa que língua-I;
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é uma disposição biológica, uma potencialidade;
Com
conceito de GU, somos capazes de formular uma das explicações mais
interessantes sobre as semelhanças encontradas entre as línguas
naturais. Segundo Chomsky, todas as línguas particulares são
formadas a partir do mesmo estágio inicial inscrito na GU. Dessa
forma, é natural esperarmos que elas apresentem muitas semelhanças
e afinidades entre si,
já que todas compartilham o mesmo ponto de partida.
A
transformação da GU na gramática de uma língua
específica dependerá fundamentalmente da experiência
sociolinguística do indivíduo humano, ou seja: Língua-I = GU +
Língua-E.
A
GU, para dar à luz uma língua-I, deve receber estímulos de uma
língua ambiente. Por língua ambiente você deve entender uma
língua-E. É sob a estimulação de uma língua-E que a GU será
capaz de filtrar os dados da experiência de um indivíduo particular
de modo a gerar conhecimento linguístico em sua mente.
Segundo
Chomsky, todas as línguas particulares são formadas a partir do
mesmo estágio inicial inscrito na GU. Dessa forma, é natural
esperarmos que elas apresentem muitas semelhanças e afinidades entre
si, já que todas compartilham o mesmo ponto de partida.
Se
a
GU é o estágio inicial da aquisição da linguagem, existem,
não obstante, muitos outros estágios, nos quais a aquisição da
linguagem está em curso e o conhecimento de uma língua específica,
como o português, o inglês ou o kuikuro, está sendo construído.
A
aquisição da linguagem será concluída e, assim, uma língua-I
terá emergido na mente de uma pessoa, quando a GU tiver retirado do
ambiente informações suficientes para a formatação da gramática
de uma língua específica (estágio
estável).
A partir do estágio estável, o conhecimento linguístico da pessoa
já está constituído e apenas mudanças superficiais devem
acontecer, tais como a aquisição de novos itens lexicais. A figura
a
seguir ilustra o que acabamos de dizer:
Se
por
um lado, os Princípios da GU são responsáveis pelas semelhanças
que as línguas compartilham entre si. Por outro lado, os Parâmetros
da GU ordenam as diferenças possíveis entre as línguas.
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Princípios e Parâmetros
Para
a Teoria de Princípios e Parâmetros, a GU é o estágio inicial da
aquisição da linguagem. Nesse estágio, a linguagem é formada por
dois conjuntos de elementos:
a)
O primeiro deles sãos os Princípios universais, comuns a todas as
línguas, desde o início da vida de um indivíduo;
b)
O segundo são os Parâmetros particulares ainda
não formatados pela experiência do indivíduo com a sua língua-E,
que precisam ser ativados ao
longo do tempo, de acordo com a língua do ambiente da
criança.
É
no curso da aquisição da linguagem que a GU deverá retirar
informações da língua ambiente da criança de modo a
formatar os seus Parâmetros. Ao fim do processo de aquisição, no
estágio estável, os Parâmetros de uma língua particular
encontrar-se-ão completamente assimilados pela GU e, dessa forma, o
conhecimento de uma língua específica, como, por exemplo, o
português, estará estabelecido na mente da pessoa.
O
conjunto de Princípios universais e o conjunto de Parâmetros já
formatados pela experiência particular caracterizarão a língua-I
de um indivíduo, a sua competência
linguística.
Entendemos
que os Parâmetros da GU são variáveis
de maneira binária e previsível. Um dado Parâmetro será formatado
como positivo (ligado) ou como negativo (desligado) de acordo com os
estímulos de uma dada língua-E. Sendo binário, um Parâmetro não
poderá deixar de ser especificado numa das duas posições
possíveis, tampouco poderá conter uma terceira posição, nem mesmo
uma posição intermediária entre positivo e negativo.
Por
exemplo: Um dos
Princípios da GU estabelece que as frases das línguas humanas
são compostas por sujeitos
sintáticos
(opostos, na frase, a seus respectivos predicados). Chamemos esse
de Princípio de
Sujeitos. De
acordo com tal Princípio, esperamos que todas as línguas
naturais componham suas frases com sujeitos.
Com efeito, isso é o que acontece quando analisamos os dados dos
milhares de línguas do mundo: todas elas constroem frases por
meio da articulação de um sujeito
com um predicado.
Porém, um fato
interessante sobre os sujeitos sintáticos das diferentes
línguas naturais é que, em somente algumas delas, o sujeito pode
ser omitido na frase, criando o chamado sujeito nulo
(que conhecemos da
escola como sujeito oculto, indeterminado ou inexistente). Por se
tratar de um fenômeno variável, dizemos, então, que a
possibilidade de um sujeito ser nulo, isto é, ser omitido numa
frase, configura um Parâmetro da GU, chamado de Parâmetro do
Sujeito Nulo. Na condição de Parâmetro, o Sujeito Nulo será
variável binariamente entre as línguas, isto é, umas línguas
irão marcá-lo como positivo e outras, como negativo. Quando esse
parâmetro é marcado como positivo numa língua, dizemos que ela
é [+ sujeito nulo]. Quando é marcado como negativo, a língua é
considerada [- sujeito nulo]. O português é um exemplo de língua
[+ sujeito nulo]. Já o inglês é exemplo de língua [- sujeito
nulo].
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Uma
construção é gramatical numa dada língua quando é gerada de
acordo com as regras dessa língua. Por contraste, uma construção
é dita AGRAMATICAL quando viola alguma regra da língua.
Regras são, na verdade, o conjunto de valores dos Princípios,
dos Parâmetros e das demais imposições formais que compõem os
sistemas fonológico, morfológico, lexical, sintático, semântico
e pragmático de uma língua.
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Resumindo
o que acabamos de dizer, vimos que a GU possui um conjunto
de Princípios e um conjunto de Parâmetros não formatados. Tais
Parâmetros são especificados ao longo da aquisição da linguagem,
de acordo com os dados disponíveis na língua do ambiente da
criança. Eles são marcados binariamente, como positivo (ligado) ou
negativo (desligado). Um rápido exemplo de formatação de
Parâmetros é o Parâmetro do Sujeito Nulo. Uma criança que tenha
como língua-E o português marcará esse Parâmetro em sua GU como
positivo (ligado). Já se a língua-E da criança for o inglês,
então o Parâmetro será formatado como
negativo (desligado).
Uma
das tarefas mais
importantes dos linguistas de orientação gerativista é pesquisar
as diversas línguas do mundo e procurar descobrir nelas evidências
dos inúmeros Princípios e dos Parâmetros que compõem a GU.
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Exemplos de Princípios
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Princípio da SubordinaçãoUma oração poderá figurar como subordinada a outra oração.[Paulo é feliz] [Eu acho que [Paulo é feliz]]Ele é um dos responsáveis pela propriedade da recursividade, que dá à luz o aspecto criativo das línguas naturais. Todas as línguas humanas são produtivas porque, dentre outras coisas, podem inserir orações umas dentro das outras de maneira recursiva, conforme prevê o Princípio da Subordinação.
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Princípio da Dependência da EstruturaAs operações sintáticas existentes nas línguas naturais sempre são sensíveis à estrutura em que os constituintes se encontram inseridos numa dada frase. Essas operações sintáticas, dentre outras coisas, deslocam constituintes de uma posição para outra dentro da frase, apagam constituintes por elipse ou substituem-nos por pronomes equivalentes.Por exemplo, perceba que no exemplo (3), a seguir, o possessivo “esse” forma uma estrutura junto de “livro”. É por isso que se deslocarmos “livro” para o início da frase, teremos de levar junto dele o pronome “esse”, como acontece em (4). Do contrário, isto é, se não respeitarmos a dependência de estrutura entre “esse” e “livro”, o resultado seria uma frase agramatical, como ocorre em (5).
(3)
Eu ainda não li esse livro.
(4)
Esse livro, eu ainda não li.
(5)
* Livro, eu ainda não li esse.
ESTRUTURAS
DEPENDENTES: São aquelas expressões linguísticas
inseparáveis umas das outras: elas são dependentes entre si na
estrutura da frase. No exemplo, vemos que um determinante
(artigo, possessivo, numeral etc.) é estruturalmente dependente
do nome (substantivo) determinado.
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Princípio da Correferência.Esse Princípio estabelece que pronomes anafóricos devem encontrar seu CORREFERENTE numa oração diferente daquela em que estão inseridos – e nunca no interior da mesma oração em que se encontram.Vejamos uma ilustração desse Princípio. Na frase “Paulo não sabe se João o viu na festa”, o pronome anafórico “o” pode referir-se ao nome “Paulo”. Dizemos, então, que “o” e “Paulo” são correferentes. Por serem termos correferentes, “o” e “Paulo” são indexados com o mesmo símbolo, o “i” subscrito que denota a indexação entre dois elementos, conforme se ilustra a seguir:(6) [Pauloi não sabe] [se João oi viu na festa]Sabemos que, no exemplo (6), o pronome “o” pode referir-se a “Paulo”, mas não a “João”. Ora, isso se dá em função do Princípio da Correferência, que estabelece exatamente que o referente de um dado pronome anafórico só poderá ser encontrado numa oração diferente daquela em que esse anafórico se situe. Por se tratar de um Princípio, já sabemos que a situação será a mesma em qualquer língua humana.
Um
pronome anafórico é aquele faz referência a outro termo já
citado no discurso, o qual se denomina referente. Dizemos que um
pronome anafórico e seu referente são CORREFERENTES porque
ambos possuem a mesma denotação no universo discursivo, ou seja,
ambos se reportam a uma mesma coisa ou pessoa.
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Exemplos de Parâmetros
Em
línguas [+ sujeito nulo], sujeitos não referenciais sempre ficarão
nulos (são os chamados sujeitos inexistentes na escola). Já nas
línguas [- sujeito nulo], todos os sujeitos precisam ser preenchidos
de alguma maneira, mesmo que não se refiram a nada e não
signifiquem coisa alguma. Para explicitar os sujeitos não
referências, línguas [- sujeito nulo] lançam mão de pronomes
expletivos. Esses pronomes não possuem significado,
nem fazem referência alguma. Eles são utilizados tão somente para
preencher a posição sintática do sujeito, conforme vemos acontecer
no exemplo do
“inglês” em (9) e do francês, em (10), nos quais o item
negritado é um pronome expletivo.
(9)
It rained yesterday.
(tradução:
“Choveu ontem.”)
(10)
Il a plu hier.
(tradução:
“Choveu ontem.”)
Vemos,
nos exemplos, que os pronomes “it” em inglês e “il” em
francês não denotam nenhuma entidade na frase. Eles não são
com o pronome “ele” ou “ela” do português, que se referem a
uma pessoa ou coisa. Na verdade, “it” e “il” são inseridos
nas frases apenas para preservar o Parâmetro do Sujeito Nulo, que é
marcado como negativo em inglês e em francês. Em português, esse
Parâmetro é marcado como positivo e, assim, um verbo que não
possua sujeito referencial, como é o caso do
exemplo (“chover”), receberá um sujeito nulo: “ø choveu
ontem.”
Outro
exemplo de Parâmetro da GU é o Parâmetro
do Núcleo.
Esse Parâmetro determina qual é, na frase, a posição linear de um
dado núcleo sintático em relação a seu respectivo complemento. Em
português, um núcleo sintático antecede o seu complemento. Por
exemplo, quando produzimos uma frase como “Leda
comprou doce”,
o núcleo da construção é o verbo “comprar”, que ocorre antes
de seu complemento, o objeto direto “doce”. Essa situação é
inversa, por exemplo, no japonês. Nessa língua, um núcleo
sintático sucede o seu complemento. Assim, a mesma frase traduzida
para o japonês teria como resultado “Leda
okashi kau”
(literalmente “Leda doce comprou”), considerando que o núcleo
da
frase é o verbo “kau” (“comprar”), que ocupa posição
posterior ao complemento objeto direto “okashi” (doce). Dizemos,
então, que o japonês se especifica como uma língua cujo Parâmetro
do Núcleo é [+ final],
diferentemente do português, que é uma língua com núcleo [-
final].
Um
terceiro exemplo de Parâmetro da GU é o Parâmetro QU-. Esse
Parâmetro diz respeito à posição linear que pronomes
interrogativos iniciados com QU- devem ocupar nas frases.
Dentre as línguas naturais, os interrogativos qu- podem ocorrer no
final de frases ou podem ser deslocados para o início delas. Em
línguas como o chinês, os pronomes qu- ocorrem
obrigatoriamente nas posições finais de frase. Por contraste,
línguas como o português podem deslocá-los para as posições
iniciais. Vejamos exemplos. Note que o pronome “shenme” é o
equivalente, em chinês, de nosso interrogativo qu-.
(13)
Ni xiangxin ta hui shuo shenme?
(14)
* Shenme ni xiangxin ta hui shuo?
Já
em português, uma frase equivalente pode localizar o pronome
interrogativo ao fi nal ou ao início da frase, conforme a
intenção comunicativa do falante.
(15)
Você acha que ele vai falar o quê?
(16)
O que você acha que ele vai falar?
O
português é, portanto, uma língua que apresenta o Parâmetro QU-
marcado como positivo. Isto é, esse Parâmetro é formatado em nossa
língua como [+ movimento de qu-]. Tal marcação faz com que
pronomes interrogativos possam ser deslocados para o início da
frase. Ao contrário, em chinês o Parâmetro é formatado como [-
movimento de qu-] e, assim, os pronomes ocorrem sempre em sua
posição original, in situ (sem
deslocamento).
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Harmonia Estrutural
Uma
questão sintática que rapidamente detectamos numa língua é
o seu padrão de organização linear entre os principais
constituintes de uma frase: o sujeito (S), o verbo (V) e o objeto
(O). Tal padrão não se dá de maneira aleatória, afinal, se assim
o fosse, nem sequer haveria um padrão sobre o qual se pudesse falar,
não é verdade? Antes, o padrão emerge de certas propriedades da
GU. Por exemplo, línguas que possuem o Parâmetro do Núcleo marcado
como [- final], isto é, aquelas línguas que antepõem o núcleo a
seu respectivo complemento, como é o caso do português, geralmente
dispõem os constituintes de uma frase na sequência SUJEITO
VERBO OBJETO, dando origem à ordenação SVO. Por seu turno, as
línguas que marcam o Parâmetro do Núcleo como [+ final], tal como
é acontece com o japonês, pospõem o núcleo a seu respectivo
complemento e, assim, tipicamente ordenam suas frases na sequência
SUJEITO OBJETO VERBO, com
a ordenação SOV.
(17)
Português: Leda comprou doce.
Ordem:
S V O
(18)
Japonês: Leda okashi kau.
Ordem:
S O V
A
maioria das línguas humanas se divide, por conseguinte, no padrão
SVO x SOV. As poucas exceções decorrem das restritas possibilidades
de posicionamento de S em relação a V e a O.
Nós
falantes de português estamos acostumados a falar em “preposição”.
Termos como “adposição” e “posposição” só se tornam
nossos conhecidos nas aulas de linguística. Isso acontece porque, em
nossa língua, uma adposição sempre antecede o seu termo regido (um
nome ou um pronome) e, assim, lhe está preposta.
(19)
Koboi foi para a roça.
No
exemplo (19), a adposição se realiza antes da expressão nominal
“a roça” e, dessa maneira, é uma preposição. As preposições
acontecem nas línguas que, como o português, são marcadas com o
Parâmetro do Núcleo [- final]. Por sua vez, línguas com o
Parâmetro do Núcleo marcado como [+ final] conhecerão as
posposições. Em (20), temos a frase (19) traduzida para karajá,
língua indígena brasileira, cujo Parâmetro do Núcleo é [+
final].
(20)
Karajá: Koboi koworu ò rara.
Tradução:
Koboi roça para foi.
O
termo “ò” é uma adposição. Perceba que ele se situa depois do
nome “koworu” (roça). Isso quer dizer que uma língua como
karajá conhece posposições, e não preposições. Temos aqui uma
regularidade muito importante: línguas [+ final] possuirão
posposições e línguas [- final]
possuirão preposições
Outra
regularidade decorrente do Parâmetro do Núcleo diz respeito à
configuração sintática das expressões comparativas. Em português,
quando comparamos duas entidades, posicionamos a expressão
comparativa antes do termo com o qual estamos comparando algo. Isso
pode ser visto no exemplo a seguir.
(21)
Maria é mais bonita do que Ana.
A
expressão comparativa “mais bonita” acontece antes de “Ana”,
termo usado para a comparação com Maria. Esse padrão ocorre
regularmente em português e nas demais línguas [- final]. Já em
línguas [+ final], o padrão é oposto. A expressão comparativa
deve ocorrer depois do termo usado para a comparação. A frase (22)
ilustra como o chinês
realiza
a comparação de maneira inversa ao português.
(22)
Chinês: Mei bi Hua piaolian.
Tradução:
Mei do que Hua mais bonita.
Como
podemos ver, a expressão “piaolian” (“mais bonita) sucede o
nome próprio Hua. Ora, isso ocorre justamente porque o chinês é,
como já sabemos, uma língua cujo Parâmetro do Núcleo é formatado
como
[+ final].
A
ordenação do nome de família em relação ao nome específico de
uma pessoa é uma curiosidade que também decorre do Parâmetro do
Núcleo. Em línguas [- final], o nome próprio é posicionado antes
do nome de família. Assim, dizemos “João da Silva” em português
e “John Smtih” em inglês. Todavia, em língua com o Parâmetro
[+ final], o nome da família vem logo ao início, antes do nome
particular do indivíduo. Por exemplo, “Chang Whan” é o nome de
um indivíduo específico, o Whan, que pertence à família Chang.
O
Parâmetro do Núcleo é responsável, também, pelo padrão de
ordenação entre substantivos e adjetivos. Línguas [- final]
tipicamente dispõem o nome antes do adjetivo, ao passo que língua
[+ final] antepõem o adjetivo ao nome. Ao analisarmos os exemplos
(23) e (24), veremos que línguas que dizem “João da Silva” vão
dizer algo como “casa grande”, enquanto línguas que dizem
“Chang Whan” dirão algo como “ta fenzi” (“grande casa”,
em sentido denotativo).
O
padrão se estende também aos adjetivos genitivos. Tais adjetivos
servem para indicar a posse de um determinado objeto em
relação a alguém ou algo. Em português, língua que possui o
Parâmetro do Núcleo [- final], o adjetivo genitivo (ou a locução
adjetiva genitiva) se pospõe ao substantivo sobre o qual se indica a
posse: dizemos “casa de João”, mas não “* de João casa”.
Já nas línguas com o Parâmetro marcado como [+ final], a expressão
genitiva antecede o substantivo.
O
Parâmetro do Núcleo é responsável também pelo padrão de
organização
das orações relativas das línguas – as orações subordinadas
adjetivas, na nomenclatura que aprendemos na escola. Nas línguas [-
final], as orações relativas se localizam depois do nome que por
elas é
modificado, tal como vemos exemplificado em (25). Já em línguas [+
final], as orações relativas ocorrem antes do nome modificado. É
isso que vemos no exemplo (26), retirado do japonês, uma língua
cujo Parâmetro do Núcleo é formatado como [+ final].
(25)
A loja que Kato comprou.
[nome]
[oração relativa]
(26)
Kato-ga katta mise.
[oração
relativa] [nome]
Tradução:
Kato comprou (que) loja.
Por
fim, todos os falantes de português sabem que, nessa língua, um
advérbio de negação posiciona-se antes do verbo. Dizemos
tipicamente “o livro que você não leu” (e não “* o
livro que você leu não”). Esse posicionamento anterior do
advérbio de negação é típico das línguas [- final]. Línguas [+
final] fazem a negação depois do verbo.
Por
exemplo, em apinayé, língua indígena brasileira cujo Parâmetro do
Núcleo é [+ final], a tradução de uma frase como “eu não
comi” será “pa krerket ne”, em que o verbo “comer”
é “krerket”, e o advérbio de negação é o termo “ne”.
A
posição do verbo auxiliar em relação ao verbo principal de uma
oração é outro fenômeno linguístico que também decorre do
Parâmetro do Núcleo. Línguas [- final] posicionarão o verbo
auxiliar antes do principal. Línguas [+ final] posicionarão o verbo
principal antes do auxiliar. Isso pode ser verificado nos exemplos do
português [- final] e do karajá [+ final], a seguir.
(27)
Eu fui pescar.
[auxiliar]
[principal]
(28)
Karajá: Deary waximy rare.
[principal]
[auxiliar]
Tradução:
Eu pescar fui.
O
propósito de todos esses exemplos é demonstrar a você que as
línguas naturais compartilham entre si um grande número de
semelhanças sintáticas, ao mesmo tempo em que organizam suas
diferenças de maneira sistemática e previsível. Tanta ordem,
segundo os gerativistas, decorre do estágio inicial da GU, com seus
Princípios e com seus Parâmetros a serem formatados. Note, porém,
que uma coisa é clara. A variação paramétrica não explica todas
as diferenças sintáticas entre as línguas. Muitos aspectos da
sintaxe das línguas são variáveis de maneira acidental e
idiossincrática.
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