domingo, 3 de abril de 2016

Linguística II - Resumo da Aula 5: A Gramática Universal e a Teoria de Princípios e Parâmetros

Professores Eduardo Kenedy e Ricardo Lima

  1. Introdução

As línguas humanas apresentam um considerável lastro de unidade em meio à sua evidente diversidade. Muitos fenômenos linguísticos são regulares e universais. Por exemplo, todas as línguas possuem:

  • nomes e verbos;
  • frases compostas de sujeito e predicado;
  • núcleos sintáticos, seus complementos e adjuntos;
  • pronomes e advérbios para indicar pessoa, tempo e lugar da comunicação;
  • estruturam o período por meio de orações simples, coordenadas ou subordinadas.

A análise gerativista identifica, no componente sintático das línguas do mundo, um alto grau de homogeneidade, sendo que grande parte das diferenças sintáticas entre as línguas não se dão aleatoriamente. Pelo contrário, elas ocorrem de maneira previsível, num limitado eixo de possibilidades de variação.
O conceito de Gramática Universal (GU) é muito importante para a linguística gerativa. É com ele que os gerativistas são capazes de sintetizar a heterogeneidade das línguas do mundo e a homogeneidade linguística prevista pela hipótese inatista sobre a Faculdade da Linguagem.
A GU é caracterizada como o estágio inicial da aquisição da linguagem pela criança, correspondendo, portanto, ao estado da cognição linguística humana anterior aos estímulos da língua-E do ambiente.
Os gerativistas assumem que a GU é composta por dois conjuntos de elementos. O primeiro deles são os Princípios Universais, comuns a todas as línguas humanas, e o segundo são os Parâmetros Particulares, que serão formatados conforme a experiência linguística dos indivíduos.
É a formatação dos Parâmetros da GU – aliada à aquisição das arbitrariedades do léxico de uma língua particular – o fator responsável pela diversidade linguística pelo mundo, por contraste à universalidade dos Princípios comuns a todos os idiomas.


  1. A Gramática Universal

Desde, pelo menos, a época do Renascimento já havia uma consciência de que as línguas humanas guardavam entre si considerável parentesco sintático, que parecia se esconder sob as idiossincrasias do léxico e da morfologia dos diferentes idiomas.

Os eruditos franceses Antoine Arnauld e Claude Lancelot publicaram, em 1660, um tratado gramatical que ficou conhecido como “Gramática de Port-Royal”. Para eles, o simples fato de qualquer pessoa normal ser capaz de produzir e compreender a sua língua VERNÁCULA é um fenômeno cientificamente importante, que deveria ser explicado pelos estudiosos. Nas palavras dos autores, a gramática era “a arte de falar e entender uma língua” ao mesmo tempo em que uma gramática (um compêndio gramatical) era “a disciplina que apresenta os fundamentos dessa arte”. Ou seja, para eles uma gramática era uma faculdade cognitiva humana (uma arte) e também uma ciência cognitiva (a apresentação dos fundamentos dessa arte).

Vernáculo = conceito usado na linguística para identificar a língua natural e espontânea dos indivíduos, adquirida durante a infância, no processo de aquisição da linguagem. O vernáculo é anterior à influência cultural da escola e do letramento sobre o comportamento linguístico da pessoa, sendo, assim, considerado como a instância mais natural de uma língua.

Algumas considerações do filósofo francês René Descartes (Século XVII) sobre a universidade da linguagem:

  • é um fato notável que não existam seres humanos tão embotados e estúpidos que não sejam capazes de arrumar várias palavras juntas, formando com elas uma frase pela qual dão a entender os seus pensamentos”.
  • a linguagem deve ser interpretada fundamentalmente como a forma de expressão de nossos pensamentos
  • a linguagem é a capacidade humana universal de usar palavras e frases como meio de expressão de ideias
  • as palavras e frases que usamos para exprimir pensamentos são acidentais, isto é, podem variar de indivíduo para indivíduo, de acordo com suas diversas circunstâncias socio-históricas, mas a habilidade em fazer uso dessas palavras e frases é essencial e universal a todos os humanos.

A relevância de Descartes para o gerativismo é destacada no título da obra de Chomsky: “Linguística cartesiana: um capítulo na história do pensamento racionalista”, na qual ele aponta que, desde há muito séculos, a preocupação com o que é geral e universal nas diferentes línguas naturais vem sendo objeto de investigação de muitos pensadores da chamada tradição racionalista na filosofia.

O filósofo Wilhelm Von Humboldt promoveria, nos séculos XVIII e XIX, as seguintes reflexões sobre a universalidade da linguagem:

  • destacava que a principal característica das línguas naturais é a sua capacidade da fazer uso infinito de recursos finitos (a principal propriedade da linguagem humana: a recursividade);
  • anteviu que todos os humanos possuem uma disposição natural para adquirir qualquer língua específica – o que adiantava a hipótese inatista;
  • dizia que as diferenças entre as línguas encontram-se nos seus meios de expressão, isto é, nas suas idiossincrasias lexicais e morfofonológicas;
  • asseverava haver limites e restrições impostas às diferenças entre as línguas, sendo que tais imposições eram derivadas da cognição linguística humana;
  • dado que a disposição natural para a língua é universal no homem, e visto que cada um tem de possuir a chave para o entendimento de todas as línguas na mente, têm-se como corolário que a forma de todas as línguas tem der ser essencialmente a mesma. A variedade entre as línguas só pode residir nos meios, nos limites permitidos.

Foi nos anos 1960, que Chomsky com o conceito de Gramática Universal (GU) levou o gerativismo a ressignificar a busca racionalista pelos universais linguísticos.
Segundo os gerativistas, temos as seguintes afirmações sobre a GU:

  • é o estágio inicial da aquisição da linguagem;
  • corresponde ao estado natural da cognição linguística humana antes do contato da criança com a língua-E de seu ambiente;
  • uma propriedade do cérebro humano que é a concretização biológica de nossa Faculdade da Linguagem, sendo a maneira pela qual a disposição para a linguagem deve estar codificada no genoma do Homo sapiens;
  • é a “arte que nos permite produzir e compreender a linguagem”, nos dizeres dos gramáticos de Port-Royal;
  • é a “chave para o entendimento das línguas”, como previa Humboldt;
  • é a “capacidade humana de expressar pensamentos”, como dizia Descartes;
  • o conjunto dos genes responsáveis pelo desenvolvimento da cognição linguística humana;
  • não é o conhecimento de nenhuma língua específica;
  • não a mesma coisa que língua-I;
  • é uma disposição biológica, uma potencialidade;

Com conceito de GU, somos capazes de formular uma das explicações mais interessantes sobre as semelhanças encontradas entre as línguas naturais. Segundo Chomsky, todas as línguas particulares são formadas a partir do mesmo estágio inicial inscrito na GU. Dessa forma, é natural esperarmos que elas apresentem muitas semelhanças e afinidades entre si, já que todas compartilham o mesmo ponto de partida.
A transformação da GU na gramática de uma língua específica dependerá fundamentalmente da experiência sociolinguística do indivíduo humano, ou seja: Língua-I = GU + Língua-E.
A GU, para dar à luz uma língua-I, deve receber estímulos de uma língua ambiente. Por língua ambiente você deve entender uma língua-E. É sob a estimulação de uma língua-E que a GU será capaz de filtrar os dados da experiência de um indivíduo particular de modo a gerar conhecimento linguístico em sua mente.
Segundo Chomsky, todas as línguas particulares são formadas a partir do mesmo estágio inicial inscrito na GU. Dessa forma, é natural esperarmos que elas apresentem muitas semelhanças e afinidades entre si, já que todas compartilham o mesmo ponto de partida.
Se a GU é o estágio inicial da aquisição da linguagem, existem, não obstante, muitos outros estágios, nos quais a aquisição da linguagem está em curso e o conhecimento de uma língua específica, como o português, o inglês ou o kuikuro, está sendo construído.
A aquisição da linguagem será concluída e, assim, uma língua-I terá emergido na mente de uma pessoa, quando a GU tiver retirado do ambiente informações suficientes para a formatação da gramática de uma língua específica (estágio estável). A partir do estágio estável, o conhecimento linguístico da pessoa já está constituído e apenas mudanças superficiais devem acontecer, tais como a aquisição de novos itens lexicais. A figura a seguir ilustra o que acabamos de dizer:




Se por um lado, os Princípios da GU são responsáveis pelas semelhanças que as línguas compartilham entre si. Por outro lado, os Parâmetros da GU ordenam as diferenças possíveis entre as línguas.


  1. Princípios e Parâmetros

Para a Teoria de Princípios e Parâmetros, a GU é o estágio inicial da aquisição da linguagem. Nesse estágio, a linguagem é formada por dois conjuntos de elementos:

a) O primeiro deles sãos os Princípios universais, comuns a todas as línguas, desde o início da vida de um indivíduo;
b) O segundo são os Parâmetros particulares ainda não formatados pela experiência do indivíduo com a sua língua-E, que precisam ser ativados ao longo do tempo, de acordo com a língua do ambiente da criança.

É no curso da aquisição da linguagem que a GU deverá retirar informações da língua ambiente da criança de modo a formatar os seus Parâmetros. Ao fim do processo de aquisição, no estágio estável, os Parâmetros de uma língua particular encontrar-se-ão completamente assimilados pela GU e, dessa forma, o conhecimento de uma língua específica, como, por exemplo, o português, estará estabelecido na mente da pessoa.
O conjunto de Princípios universais e o conjunto de Parâmetros já formatados pela experiência particular caracterizarão a língua-I de um indivíduo, a sua competência linguística.
Entendemos que os Parâmetros da GU são variáveis de maneira binária e previsível. Um dado Parâmetro será formatado como positivo (ligado) ou como negativo (desligado) de acordo com os estímulos de uma dada língua-E. Sendo binário, um Parâmetro não poderá deixar de ser especificado numa das duas posições possíveis, tampouco poderá conter uma terceira posição, nem mesmo uma posição intermediária entre positivo e negativo.

Por exemplo: Um dos Princípios da GU estabelece que as frases das línguas humanas são compostas por sujeitos sintáticos (opostos, na frase, a seus respectivos predicados). Chamemos esse de Princípio de Sujeitos. De acordo com tal Princípio, esperamos que todas as línguas naturais componham suas frases com sujeitos. Com efeito, isso é o que acontece quando analisamos os dados dos milhares de línguas do mundo: todas elas constroem frases por meio da articulação de um sujeito com um predicado. Porém, um fato interessante sobre os sujeitos sintáticos das diferentes línguas naturais é que, em somente algumas delas, o sujeito pode ser omitido na frase, criando o chamado sujeito nulo (que conhecemos da escola como sujeito oculto, indeterminado ou inexistente). Por se tratar de um fenômeno variável, dizemos, então, que a possibilidade de um sujeito ser nulo, isto é, ser omitido numa frase, configura um Parâmetro da GU, chamado de Parâmetro do Sujeito Nulo. Na condição de Parâmetro, o Sujeito Nulo será variável binariamente entre as línguas, isto é, umas línguas irão marcá-lo como positivo e outras, como negativo. Quando esse parâmetro é marcado como positivo numa língua, dizemos que ela é [+ sujeito nulo]. Quando é marcado como negativo, a língua é considerada [- sujeito nulo]. O português é um exemplo de língua [+ sujeito nulo]. Já o inglês é exemplo de língua [- sujeito nulo].

Uma construção é gramatical numa dada língua quando é gerada de acordo com as regras dessa língua. Por contraste, uma construção é dita AGRAMATICAL quando viola alguma regra da língua. Regras são, na verdade, o conjunto de valores dos Princípios, dos Parâmetros e das demais imposições formais que compõem os sistemas fonológico, morfológico, lexical, sintático, semântico e pragmático de uma língua.

Resumindo o que acabamos de dizer, vimos que a GU possui um conjunto de Princípios e um conjunto de Parâmetros não formatados. Tais Parâmetros são especificados ao longo da aquisição da linguagem, de acordo com os dados disponíveis na língua do ambiente da criança. Eles são marcados binariamente, como positivo (ligado) ou negativo (desligado). Um rápido exemplo de formatação de Parâmetros é o Parâmetro do Sujeito Nulo. Uma criança que tenha como língua-E o português marcará esse Parâmetro em sua GU como positivo (ligado). Já se a língua-E da criança for o inglês, então o Parâmetro será formatado como negativo (desligado).
Uma das tarefas mais importantes dos linguistas de orientação gerativista é pesquisar as diversas línguas do mundo e procurar descobrir nelas evidências dos inúmeros Princípios e dos Parâmetros que compõem a GU.


  1. Exemplos de Princípios

  • Princípio da Subordinação
    Uma oração poderá figurar como subordinada a outra oração.
    [Paulo é feliz]  [Eu acho que [Paulo é feliz]]
    Ele é um dos responsáveis pela propriedade da recursividade, que dá à luz o aspecto criativo das línguas naturais. Todas as línguas humanas são produtivas porque, dentre outras coisas, podem inserir orações umas dentro das outras de maneira recursiva, conforme prevê o Princípio da Subordinação.
  • Princípio da Dependência da Estrutura
    As operações sintáticas existentes nas línguas naturais sempre são sensíveis à estrutura em que os constituintes se encontram inseridos numa dada frase. Essas operações sintáticas, dentre outras coisas, deslocam constituintes de uma posição para outra dentro da frase, apagam constituintes por elipse ou substituem-nos por pronomes equivalentes.
    Por exemplo, perceba que no exemplo (3), a seguir, o possessivo “esse” forma uma estrutura junto de “livro”. É por isso que se deslocarmos “livro” para o início da frase, teremos de levar junto dele o pronome “esse”, como acontece em (4). Do contrário, isto é, se não respeitarmos a dependência de estrutura entre “esse” e “livro”, o resultado seria uma frase agramatical, como ocorre em (5).
(3) Eu ainda não li esse livro.
(4) Esse livro, eu ainda não li.
(5) * Livro, eu ainda não li esse.

ESTRUTURAS DEPENDENTES: São aquelas expressões linguísticas inseparáveis umas das outras: elas são dependentes entre si na estrutura da frase. No exemplo, vemos que um determinante (artigo, possessivo, numeral etc.) é estruturalmente dependente do nome (substantivo) determinado.

  • Princípio da Correferência.
    Esse Princípio estabelece que pronomes anafóricos devem encontrar seu CORREFERENTE numa oração diferente daquela em que estão inseridos – e nunca no interior da mesma oração em que se encontram.
    Vejamos uma ilustração desse Princípio. Na frase “Paulo não sabe se João o viu na festa”, o pronome anafórico “o” pode referir-se ao nome “Paulo”. Dizemos, então, que “o” e “Paulo” são correferentes. Por serem termos correferentes, “o” e “Paulo” são indexados com o mesmo símbolo, o “i” subscrito que denota a indexação entre dois elementos, conforme se ilustra a seguir:
    (6) [Pauloi não sabe] [se João oi viu na festa]
    Sabemos que, no exemplo (6), o pronome “o” pode referir-se a “Paulo”, mas não a “João”. Ora, isso se dá em função do Princípio da Correferência, que estabelece exatamente que o referente de um dado pronome anafórico só poderá ser encontrado numa oração diferente daquela em que esse anafórico se situe. Por se tratar de um Princípio, já sabemos que a situação será a mesma em qualquer língua humana.

Um pronome anafórico é aquele faz referência a outro termo já citado no discurso, o qual se denomina referente. Dizemos que um pronome anafórico e seu referente são CORREFERENTES porque ambos possuem a mesma denotação no universo discursivo, ou seja, ambos se reportam a uma mesma coisa ou pessoa.


  1. Exemplos de Parâmetros

Em línguas [+ sujeito nulo], sujeitos não referenciais sempre ficarão nulos (são os chamados sujeitos inexistentes na escola). Já nas línguas [- sujeito nulo], todos os sujeitos precisam ser preenchidos de alguma maneira, mesmo que não se refiram a nada e não signifiquem coisa alguma. Para explicitar os sujeitos não referências, línguas [- sujeito nulo] lançam mão de pronomes expletivos. Esses pronomes não possuem significado, nem fazem referência alguma. Eles são utilizados tão somente para preencher a posição sintática do sujeito, conforme vemos acontecer no exemplo do “inglês” em (9) e do francês, em (10), nos quais o item negritado é um pronome expletivo.
(9) It rained yesterday.
(tradução: “Choveu ontem.”)

(10) Il a plu hier.
(tradução: “Choveu ontem.”)

Vemos, nos exemplos, que os pronomes “it” em inglês e “il” em francês não denotam nenhuma entidade na frase. Eles não são com o pronome “ele” ou “ela” do português, que se referem a uma pessoa ou coisa. Na verdade, “it” e “il” são inseridos nas frases apenas para preservar o Parâmetro do Sujeito Nulo, que é marcado como negativo em inglês e em francês. Em português, esse Parâmetro é marcado como positivo e, assim, um verbo que não possua sujeito referencial, como é o caso do exemplo (“chover”), receberá um sujeito nulo: “ø choveu ontem.”
Outro exemplo de Parâmetro da GU é o Parâmetro do Núcleo. Esse Parâmetro determina qual é, na frase, a posição linear de um dado núcleo sintático em relação a seu respectivo complemento. Em português, um núcleo sintático antecede o seu complemento. Por exemplo, quando produzimos uma frase como “Leda comprou doce”, o núcleo da construção é o verbo “comprar”, que ocorre antes de seu complemento, o objeto direto “doce”. Essa situação é inversa, por exemplo, no japonês. Nessa língua, um núcleo sintático sucede o seu complemento. Assim, a mesma frase traduzida para o japonês teria como resultado “Leda okashi kau” (literalmente “Leda doce comprou”), considerando que o núcleo da frase é o verbo “kau” (“comprar”), que ocupa posição posterior ao complemento objeto direto “okashi” (doce). Dizemos, então, que o japonês se especifica como uma língua cujo Parâmetro do Núcleo é [+ final], diferentemente do português, que é uma língua com núcleo [- final].

Um terceiro exemplo de Parâmetro da GU é o Parâmetro QU-. Esse Parâmetro diz respeito à posição linear que pronomes interrogativos iniciados com QU- devem ocupar nas frases. Dentre as línguas naturais, os interrogativos qu- podem ocorrer no final de frases ou podem ser deslocados para o início delas. Em línguas como o chinês, os pronomes qu- ocorrem obrigatoriamente nas posições finais de frase. Por contraste, línguas como o português podem deslocá-los para as posições iniciais. Vejamos exemplos. Note que o pronome “shenme” é o equivalente, em chinês, de nosso interrogativo qu-.

(13) Ni xiangxin ta hui shuo shenme?
(14) * Shenme ni xiangxin ta hui shuo?

Já em português, uma frase equivalente pode localizar o pronome interrogativo ao fi nal ou ao início da frase, conforme a intenção comunicativa do falante.

(15) Você acha que ele vai falar o quê?
(16) O que você acha que ele vai falar?

O português é, portanto, uma língua que apresenta o Parâmetro QU- marcado como positivo. Isto é, esse Parâmetro é formatado em nossa língua como [+ movimento de qu-]. Tal marcação faz com que pronomes interrogativos possam ser deslocados para o início da frase. Ao contrário, em chinês o Parâmetro é formatado como [- movimento de qu-] e, assim, os pronomes ocorrem sempre em sua posição original, in situ (sem deslocamento).



  1. Harmonia Estrutural

Uma questão sintática que rapidamente detectamos numa língua é o seu padrão de organização linear entre os principais constituintes de uma frase: o sujeito (S), o verbo (V) e o objeto (O). Tal padrão não se dá de maneira aleatória, afinal, se assim o fosse, nem sequer haveria um padrão sobre o qual se pudesse falar, não é verdade? Antes, o padrão emerge de certas propriedades da GU. Por exemplo, línguas que possuem o Parâmetro do Núcleo marcado como [- final], isto é, aquelas línguas que antepõem o núcleo a seu respectivo complemento, como é o caso do português, geralmente dispõem os constituintes de uma frase na sequência SUJEITO  VERBO OBJETO, dando origem à ordenação SVO. Por seu turno, as línguas que marcam o Parâmetro do Núcleo como [+ final], tal como é acontece com o japonês, pospõem o núcleo a seu respectivo complemento e, assim, tipicamente ordenam suas frases na sequência SUJEITO  OBJETO VERBO, com a ordenação SOV.

(17) Português: Leda comprou doce.
Ordem: S V O
(18) Japonês: Leda okashi kau.
Ordem: S O V

A maioria das línguas humanas se divide, por conseguinte, no padrão SVO x SOV. As poucas exceções decorrem das restritas possibilidades de posicionamento de S em relação a V e a O.

Nós falantes de português estamos acostumados a falar em “preposição”. Termos como “adposição” e “posposição” só se tornam nossos conhecidos nas aulas de linguística. Isso acontece porque, em nossa língua, uma adposição sempre antecede o seu termo regido (um nome ou um pronome) e, assim, lhe está preposta.
(19) Koboi foi para a roça.

No exemplo (19), a adposição se realiza antes da expressão nominal “a roça” e, dessa maneira, é uma preposição. As preposições acontecem nas línguas que, como o português, são marcadas com o Parâmetro do Núcleo [- final]. Por sua vez, línguas com o Parâmetro do Núcleo marcado como [+ final] conhecerão as posposições. Em (20), temos a frase (19) traduzida para karajá, língua indígena brasileira, cujo Parâmetro do Núcleo é [+ final].

(20) Karajá: Koboi koworu ò rara.
Tradução: Koboi roça para foi.

O termo “ò” é uma adposição. Perceba que ele se situa depois do nome “koworu” (roça). Isso quer dizer que uma língua como karajá conhece posposições, e não preposições. Temos aqui uma regularidade muito importante: línguas [+ final] possuirão posposições e línguas [- final] possuirão preposições

Outra regularidade decorrente do Parâmetro do Núcleo diz respeito à configuração sintática das expressões comparativas. Em português, quando comparamos duas entidades, posicionamos a expressão comparativa antes do termo com o qual estamos comparando algo. Isso pode ser visto no exemplo a seguir.

(21) Maria é mais bonita do que Ana.

A expressão comparativa “mais bonita” acontece antes de “Ana”, termo usado para a comparação com Maria. Esse padrão ocorre regularmente em português e nas demais línguas [- final]. Já em línguas [+ final], o padrão é oposto. A expressão comparativa deve ocorrer depois do termo usado para a comparação. A frase (22) ilustra como o chinês
realiza a comparação de maneira inversa ao português.

(22) Chinês: Mei bi Hua piaolian.
Tradução: Mei do que Hua mais bonita.

Como podemos ver, a expressão “piaolian” (“mais bonita) sucede o nome próprio Hua. Ora, isso ocorre justamente porque o chinês é, como já sabemos, uma língua cujo Parâmetro do Núcleo é formatado como [+ final].

A ordenação do nome de família em relação ao nome específico de uma pessoa é uma curiosidade que também decorre do Parâmetro do Núcleo. Em línguas [- final], o nome próprio é posicionado antes do nome de família. Assim, dizemos “João da Silva” em português e “John Smtih” em inglês. Todavia, em língua com o Parâmetro [+ final], o nome da família vem logo ao início, antes do nome particular do indivíduo. Por exemplo, “Chang Whan” é o nome de um indivíduo específico, o Whan, que pertence à família Chang.

O Parâmetro do Núcleo é responsável, também, pelo padrão de ordenação entre substantivos e adjetivos. Línguas [- final] tipicamente dispõem o nome antes do adjetivo, ao passo que língua [+ final] antepõem o adjetivo ao nome. Ao analisarmos os exemplos (23) e (24), veremos que línguas que dizem “João da Silva” vão dizer algo como “casa grande”, enquanto línguas que dizem “Chang Whan” dirão algo como “ta fenzi” (“grande casa”, em sentido denotativo).

O padrão se estende também aos adjetivos genitivos. Tais adjetivos servem para indicar a posse de um determinado objeto em relação a alguém ou algo. Em português, língua que possui o Parâmetro do Núcleo [- final], o adjetivo genitivo (ou a locução adjetiva genitiva) se pospõe ao substantivo sobre o qual se indica a posse: dizemos “casa de João”, mas não “* de João casa”. Já nas línguas com o Parâmetro marcado como [+ final], a expressão genitiva antecede o substantivo.

O Parâmetro do Núcleo é responsável também pelo padrão de organização das orações relativas das línguas – as orações subordinadas adjetivas, na nomenclatura que aprendemos na escola. Nas línguas [- final], as orações relativas se localizam depois do nome que por elas é modificado, tal como vemos exemplificado em (25). Já em línguas [+ final], as orações relativas ocorrem antes do nome modificado. É isso que vemos no exemplo (26), retirado do japonês, uma língua cujo Parâmetro do Núcleo é formatado como [+ final].

(25) A loja que Kato comprou.
[nome] [oração relativa]
(26) Kato-ga katta mise.
[oração relativa] [nome]
Tradução: Kato comprou (que) loja.

Por fim, todos os falantes de português sabem que, nessa língua, um advérbio de negação posiciona-se antes do verbo. Dizemos tipicamente “o livro que você não leu” (e não “* o livro que você leu não”). Esse posicionamento anterior do advérbio de negação é típico das línguas [- final]. Línguas [+ final] fazem a negação depois do verbo.
Por exemplo, em apinayé, língua indígena brasileira cujo Parâmetro do Núcleo é [+ final], a tradução de uma frase como “eu não comi” será “pa krerket ne”, em que o verbo “comer” é “krerket”, e o advérbio de negação é o termo “ne”.

A posição do verbo auxiliar em relação ao verbo principal de uma oração é outro fenômeno linguístico que também decorre do Parâmetro do Núcleo. Línguas [- final] posicionarão o verbo auxiliar antes do principal. Línguas [+ final] posicionarão o verbo principal antes do auxiliar. Isso pode ser verificado nos exemplos do português [- final] e do karajá [+ final], a seguir.

(27) Eu fui pescar.
[auxiliar] [principal]
(28) Karajá: Deary waximy rare.
[principal] [auxiliar]
Tradução: Eu pescar fui.

O propósito de todos esses exemplos é demonstrar a você que as línguas naturais compartilham entre si um grande número de semelhanças sintáticas, ao mesmo tempo em que organizam suas diferenças de maneira sistemática e previsível. Tanta ordem, segundo os gerativistas, decorre do estágio inicial da GU, com seus Princípios e com seus Parâmetros a serem formatados. Note, porém, que uma coisa é clara. A variação paramétrica não explica todas as diferenças sintáticas entre as línguas. Muitos aspectos da sintaxe das línguas são variáveis de maneira acidental e idiossincrática.



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