Fundação
Centro de Ciências e Educação a Distância do Estado do Rio de
Janeiro
Centro
de Educação Superior à Distância do Estado do Rio de Janeiro
Universidade
Federal Fluminense
Curso
de Licenciatura em Letras- UFF / CEDERJ
Disciplina:
Literatura Brasileira 1
Coordenador:
André Dias
AD
1 – 2016.1
Aluno:
MARCELO PAVESI LOPES
Matrícula:
15213120046
Polo:
Itaperuna/RJ
Questão
1 (Valor: 5,0) – Sobre a aula 02 –
Leia
as passagens abaixo extraídas, respectivamente, dos romances
Memórias
de um sargento de milícias, de
Manoel Antonio de Almeida e Iracema,
de
José de Alencar e explique como as obras em questão apresentam
aspectos importantes do projeto de nacionalidade propagado pelos
escritores românticos. Observe ainda o que há de idealizado no
encontro cultural apresentado em Iracema.
Texto
I:
Memórias
de um Sargento de Milícias, de
Manoel Antonio de Almeida –
Capítulo
XVII
D.
MARIA
Um
dia de procissão foi sempre nesta cidade um dia de grande festa, de
lufa-lufa, de movimento e de agitação; e se ainda é hoje o que os
nossos leitores bem sabem, na época em que viveram as personagens
desta história a coisa subia de ponto; enchiam-se as ruas de povo,
especialmente de mulheres de mantilha; armavam-se as casas,
penduravam-se às janelas magníficas colchas de seda, de damasco de
todas as cores, e armavam-se coretos em quase todos os cantos. É
quase tudo o que ainda hoje se pratica, porém em muito maior escala
e grandeza, [...]
Nesse
tempo as procissões eram multiplicadas, e cada qual buscava ser mais
rica e ostentar maior luxo: as da quaresma eram de uma pompa
extraordinária, especialmente quando el-rei se dignava
acompanhá-las, obrigando toda a corte a fazer outro tanto: a que
primava porém entre todas era a chamada procissão dos ourives.
Ninguém ficava em casa no dia em que ela saía, ou na rua ou nas
casas dos conhecidos e amigos que tinham a ventura de morar em lugar
por onde ela passasse, achavam todos meio de vê-la. [...] Alguns
haviam tão devotos, que não se contentavam vendo-a uma só vez;
andavam de casa deste para a casa daquele, desta rua para aquela, até
conseguir vê-la desfilar de princípio a fim duas, quatro e seis
vezes, sem o que não se davam por satisfeitos. A causa principal de
tudo isto era, supomos nós, além talvez de outras, o levar esta
procissão uma coisa que não tinha nenhuma das outras: o leitor há
de achá-la sem dúvida extravagante e ridícula; outro tanto nos
acontece, mas temos obrigação de referi-la. Queremos falar de um
grande rancho chamado das — Baianas, — que caminhava adiante da
procissão, atraindo mais ou tanto como os santos, os andores, os
emblemas sagrados, os olhares dos devotos; era formado esse rancho
por um grande número de negras vestidas à moda da província da
Bahia, donde lhe vinha o nome, e que dançavam nos intervalos dos
Deo-gratias uma dança lá a seu capricho. Para falarmos a verdade, a
coisa era curiosa: e se não a empregassem como primeira parte de uma
procissão religiosa, certamente seria mais desculpável. Todos
conhecem o modo por que se vestem as negras da Bahia; é um dos modos
de trajar mais bonito que temos visto, não aconselhamos porém que
ninguém o adote; um país em que todas as mulheres usassem desse
traje, especialmente se fosse desses abençoados em que elas são
alvas e formosas, seria uma terra de perdição e de pecados.
Procuremos descrevê-lo.
As
chamadas Baianas não usavam de vestido; traziam somente umas poucas
de saias presas à cintura, e que chegavam pouco abaixo do meio da
perna, todas elas ornadas de magníficas rendas; da cintura para cima
apenas traziam uma finíssima camisa, cuja gola e mangas eram também
ornadas de renda; ao pescoço punham um cordão de ouro ou um colar
de corais, os mais pobres eram de miçangas; ornavam a cabeça com
uma espécie de turbante a que davam o nome de trunfas, formado por
um grande lenço branco muito teso e engomado; calçavam umas
chinelinhas de salto alto, e tão pequenas, que apenas continham os
dedos dos pés, ficando de fora todo o calcanhar; e além de tudo
isto envolviam-se graciosamente em uma capa de pano preto, deixando
de fora os braços ornados de argolas de metal simulando pulseiras.
(ALMEIDA, 1978, p. 75 – 76).
TEXTO
II:
Iracema,
de
Jose de Alencar – Capítulo III
Quando
os viajantes entraram na densa penumbra do bosque, então seu olhar
como o do tigre, afeito às trevas, conheceu Iracema e viu que a
seguia um jovem guerreiro, de estranha raça e longes terras.
As
tribos tabajaras, d’além Ibiapaba, falavam de uma nova raça de
guerreiros, alvos como flores de borrasca, e vindos de remota plaga
às margens do Mearim. O ancião pensou que fosse um guerreiro
semelhante, aquele que pisava os campos nativos.
Tranqüilo,
esperou.
A
virgem aponta para o estrangeiro e diz:
— Ele
veio, pai.
— Veio
bem. É Tupã que traz o hóspede à cabana de Araquém. Assim
dizendo, o pajé passou o cachimbo ao estrangeiro; e entraram ambos
na cabana.
O
mancebo sentou-se na rede principal, suspensa no centro da habitação.
Iracema
acendeu o fogo da hospitalidade; e trouxe o que havia de provisões
para satisfazer a fome e a sede: trouxe o resto da caça, a
farinha-d’água, os frutos silvestres, os favos de mel e o vinho de
caju e ananás.
Depois
a virgem entrou com a igaçaba, que enchera na fonte próxima de água
fresca para lavar o rosto e as mãos do estrangeiro.
Quando
o guerreiro terminou a refeição, o velho pajé apagou o cachimbo e
falou:
— Vieste?
— Vim,
respondeu o desconhecido.
— Bem
vieste. O estrangeiro é senhor na cabana de Araquém. Os tabajaras
têm mil guerreiros para defendê-lo, e mulheres sem conta para
servi-lo. Dize, e todos te obedecerão. (ALENCAR, 1979, p. 14).
Os
escritores românticos da primeira geração caracterizaram-se por
buscar uma identidade nacional, através da criação escapista de
modelos de comportamento. Algo como os aedos faziam, através da
oralidade, na Antiga Grécia, esculpindo heróis em palavras e atos
memoráveis, de maneira a gerar um sentimento na sociedade, a
respeito de como ela deveria ser, criando
paradigmas culturais e sociais.
No
caso do romantismo brasileiro, emulando o seu coirmão europeu, que
buscava a fuga da realidade social no passado da Idade Média, houve
um retrocesso ao período inicial da história do Brasil, ou até
antes da chegada dos primeiros invasores portugueses, uma vez que não
houve Idade Média histórica em nosso país. Fora
do mundo ficcional, o processo de
colonização brasileiro foi o resultado de um projeto sangrento e
brutal de dominação econômica, religiosa e militar, e não uma
reunião amigável e diplomática, um
bate papo camarada, como
temos no texto de José de Alencar, em
um trecho do romance Iracema:
“O estrangeiro é senhor na cabana
de Araquém. Os tabajaras têm mil guerreiros para defendê-lo, e
mulheres sem conta para servi-lo. Dize, e todos te obedecerão.”.
Essa
visão utópica e idealizada do confronto de culturas e povos na
formação do Brasil, realizada nas tintas do romance supracitado,
buscava retratar como os autores românticos
gostariam que tivesse sido: uma fusão harmônica e cordial entre o
branco invasor, dotado de maior força econômica e militar, e os
povos ameríndios, dizimados por
uma ferocidade poucas vezes testemunhada no percurso da humanidade
dentro dos caminhos da história.
Muitas
vezes um texto tem revelado suas ideias, mais pelo que ele deixa de
citar, do que pelo que consta nas palavras do mesmo. Salta
aos olhos o fato desse paradigma romântico produzir, para uma das
nossas três raças predominantemente formadoras da genética
brasileira, um fenômeno de invisibilidade, como no caso do autor
José de Alencar. Ele, simplesmente ignora a
presença dos africanos e seus descendentes na sociedade brasileira,
mesmo sendo esses, a força motriz da economia brasileira à época,
fundamentada nos pilares da agricultura de exportação, no modelo
latifundiário, que ainda exibe seus
resquícios de poder
nos dias de hoje, através das negociatas explícitas da bancada do
agronegócio, pelos corredores, salas, e plenários do Congresso
Nacional, que uma boa consulta aos
jornais e revistas podem corroborar.
Já,
Manoel Antônio de Almeida, no
texto destacado da obra Memórias
de Um Sargento de Milícias, após
usar adjetivos grandiloquentes para exaltar a religiosidade de
origem
europeia, tais como: “magníficas”,
“em muito maior escala e grandeza”, “ser mais rica e ostentar
maior luxo” e
“pompa extraordinária”,
passa a execrar a participação dos negros, na cerimônia descrita,
não
percebendo o caleidoscópio belíssimo do sincretismo religioso e
social presente na tela que se apresentava descrita por
ele mesmo.
No caso: negras chamadas de “Baianas”.
Observe o trecho: “
Todos
conhecem
o modo por que se vestem as negras da Bahia;… não
aconselhamos porém que ninguém o adote”,
no qual o autor desaprova a forma com a qual as mesma estão
vestidas, como se fosse escolha
das
dançarinas,
e não a sua única opção, pela
posição social que ocupavam.
Além disso, há uma divertida,
porque também
dúbia e
hesitante,
tensão sensual: “um
país em que todas as mulheres usassem desse traje,...seria uma terra
de perdição e de pecados”,
gerando uma contradição entre execração e desejo, que o texto
mesmo tentando ocultar, não se furta de revelar em suas entrelinhas.
Por
fim, e não menos relevante, explicita, de forma lamentável, uma
suposta superioridade da beleza genética europeia, através do
elogio à
cor da epiderme das
mulheres do velho continente:
“especialmente
se fosse desses abençoados em que elas são alvas e formosas“.
É
de estarrecer. O autor diz que país abençoado é o que possui
mulheres alvas, quando a beleza humana está permeada em todos os
povos, muito além do aprisionamento em padrões estéticos
preestabelecidos
e impostos culturalmente.
No
caso do autor, há uma preferência clara pelos padrões europeus na
criação de um projeto de identidade nacional, beirando os limites
em que essa escolha se transforma em mal disfarçado preconceito.
Apesar
dessas incongruências, deve ser destacado
por fim, mas
não menos importante, o
primor dos textos em análise, dotados de um talentoso uso da língua
portuguesa para narrar as manifestações ficcionais dos autores,
produzindo
textos clássicos e históricos de uma época importante de nossa
manifestação literária.
Questão
2 (Valor: 5,0) – sobre a aula 04 –
O
conceito de interdisciplinaridade (estabelecimento de relações
entre duas ou mais disciplinas ou ramos de conhecimento) é bastante
valorizado, no presente como um método relevante para a construção
do conhecimento nas mais diversas áreas dos estudos. Ao analisarmos
o método críticos de Sílvio Romero concluímos que o estudioso
adota uma noção bastante particular de interdisciplinaridade. Tal
concepção teve um valor negativo nas formulações de Sílvio
Romero, por quê?
O
erudito Sílvio Romero, versado em muitas vertentes do conhecimento
humano, tais como: “o Positivismo
(Auguste Comte e Herbert Spencer - a extrema ordenação
social levaria uma determinada comunidade ao progresso),
o Evolucionismo
(Charles Darwin - a permanência
de um ser ou de uma espécie na natureza depende de sua capacidade de
resistir e adaptar-se a transformações),
o Socialismo Científico
(Karl Marx - assevera que a fome do capitalismo irá
conduzi-lo “naturalmente” à sua própria destruição, e que a
transformação mundial advirá dos trabalhadores explorados)
e, fundamentalmente, o Determinismo
(Hippolyte Taine - toma fatores diversos
da natureza e/ou da sociedade para explicar o caráter humano),
além do Naturalismo, que é uma fusão
de Evolucionismo e Determinismo, buscando
em fatores externos ao homem os condicionantes
de sua natureza interna,” não poderia fazer uma análise literária
distante das óticas propostas pelas supracitadas ideologias
presentes nesse conjunto de conhecimento chamada de Cientificismo.
Então, para o crítico supracitado, em
meio ao cipoal de novas ideias surgidas no período contemporâneo em
que escreveu sua obra máxima, era uma combinação de meio natural,
história e componente racial que ditava o tipo de literatura
praticada nessas terras brasileiras.
Assim,
essa singular interdisciplinaridade foi
a principal ferramenta de crítica
literária utilizada pelo sergipano ilustre, promovendo uma
visão muito peculiar da literatura brasileira até aquele momento
histórico.
Ocorre
que uma obra literária deve ser medida pela sua literariedade, ou
seja, uma miríade de características linguísticas,
filosóficas, simbólicas e outras que permitem
ser chamado de literário um texto qualquer. A arte pela arte, também
é arte, e não a deixou
de ser, por não ser engajada ou estar posta como um exercício
criativo descompromissado, de puro
diletantismo ou expansão da alma humana
ante a
aspereza da realidade. Essa corrente
preconiza que a literatura, como arte, é autônoma, devendo ser
criticada pelas suas particularidades específicas de forma e
sentido, sem a interferência de disciplinas externas, apenas através
de seu texto literário, retratado em um discurso diverso e único.
Sílvio
Romero desprezou essa estratégia
de crítica literária. Para ele, o que era digno de valor, estava no
relacionamento entre a literatura e as outras disciplinas, de modo a
auxiliar a constituição de uma
percepção ampla do Brasil e suas peculiaridades.
Nesse caminho, às vezes, Romero se perdia, falando de muitos
assuntos simultâneos, menosprezando o que seria o principal: a
literatura.
Do
meu ponto de vista, ambos os caminhos, quando radicalizados, podem
levar a uma crítica menor e fragmentada, explorando apenas parte do
que poderiam. Tanto se equivocam
os que colocam a arte na caixa hermeticamente fechada de uma
manifestação artística pura e simples, e a analisam apenas pelas
suas regras de literariedade, seus instrumentos e ferramentas básicas
usadas na
construção de um texto que possa
ganhar o título de literário; quanto
são equivocados os outros
que focam
mais na expansão da manifestação de literatura de forma centrífuga
ao seu âmago artístico, levando-a a paragens de outras disciplinas,
quando sem a devida temperança e prudência em suas visões,
ampliando em demasia a análise, em uma prolixidade que acaba
ocultando o principal objeto da
crítica: a própria
literatura. Ambos falham,
porque a arte da construção de discursos textuais é tudo isso ao
mesmo tempo: é arte, é manifestação, é influência para fora do
campo da literatura, é transformação de realidade externa pela
transformação das ideias, é expansão da alma humana, está imersa
no meio natural, na história, na sociedade e na vida. Cabe
ao crítico, entender as nuances diversas da obra literária, e saber
qual a amplitude da lupa que usa em seu ofício analítico.
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