domingo, 10 de abril de 2016

Literatura Brasileira I - AD1


Fundação Centro de Ciências e Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Educação Superior à Distância do Estado do Rio de Janeiro
Universidade Federal Fluminense
Curso de Licenciatura em Letras- UFF / CEDERJ
Disciplina: Literatura Brasileira 1
Coordenador: André Dias
AD 1 – 2016.1

Aluno: MARCELO PAVESI LOPES
Matrícula: 15213120046
Polo: Itaperuna/RJ


Questão 1 (Valor: 5,0) – Sobre a aula 02 –

Leia as passagens abaixo extraídas, respectivamente, dos romances Memórias de um sargento de milícias, de Manoel Antonio de Almeida e Iracema, de José de Alencar e explique como as obras em questão apresentam aspectos importantes do projeto de nacionalidade propagado pelos escritores românticos. Observe ainda o que há de idealizado no encontro cultural apresentado em Iracema.

Texto I:
Memórias de um Sargento de Milícias, de Manoel Antonio de Almeida Capítulo XVII

D. MARIA
Um dia de procissão foi sempre nesta cidade um dia de grande festa, de lufa-lufa, de movimento e de agitação; e se ainda é hoje o que os nossos leitores bem sabem, na época em que viveram as personagens desta história a coisa subia de ponto; enchiam-se as ruas de povo, especialmente de mulheres de mantilha; armavam-se as casas, penduravam-se às janelas magníficas colchas de seda, de damasco de todas as cores, e armavam-se coretos em quase todos os cantos. É quase tudo o que ainda hoje se pratica, porém em muito maior escala e grandeza, [...]
Nesse tempo as procissões eram multiplicadas, e cada qual buscava ser mais rica e ostentar maior luxo: as da quaresma eram de uma pompa extraordinária, especialmente quando el-rei se dignava acompanhá-las, obrigando toda a corte a fazer outro tanto: a que primava porém entre todas era a chamada procissão dos ourives. Ninguém ficava em casa no dia em que ela saía, ou na rua ou nas casas dos conhecidos e amigos que tinham a ventura de morar em lugar por onde ela passasse, achavam todos meio de vê-la. [...] Alguns haviam tão devotos, que não se contentavam vendo-a uma só vez; andavam de casa deste para a casa daquele, desta rua para aquela, até conseguir vê-la desfilar de princípio a fim duas, quatro e seis vezes, sem o que não se davam por satisfeitos. A causa principal de tudo isto era, supomos nós, além talvez de outras, o levar esta procissão uma coisa que não tinha nenhuma das outras: o leitor há de achá-la sem dúvida extravagante e ridícula; outro tanto nos acontece, mas temos obrigação de referi-la. Queremos falar de um grande rancho chamado das — Baianas, — que caminhava adiante da procissão, atraindo mais ou tanto como os santos, os andores, os emblemas sagrados, os olhares dos devotos; era formado esse rancho por um grande número de negras vestidas à moda da província da Bahia, donde lhe vinha o nome, e que dançavam nos intervalos dos Deo-gratias uma dança lá a seu capricho. Para falarmos a verdade, a coisa era curiosa: e se não a empregassem como primeira parte de uma procissão religiosa, certamente seria mais desculpável. Todos conhecem o modo por que se vestem as negras da Bahia; é um dos modos de trajar mais bonito que temos visto, não aconselhamos porém que ninguém o adote; um país em que todas as mulheres usassem desse traje, especialmente se fosse desses abençoados em que elas são alvas e formosas, seria uma terra de perdição e de pecados. Procuremos descrevê-lo.
As chamadas Baianas não usavam de vestido; traziam somente umas poucas de saias presas à cintura, e que chegavam pouco abaixo do meio da perna, todas elas ornadas de magníficas rendas; da cintura para cima apenas traziam uma finíssima camisa, cuja gola e mangas eram também ornadas de renda; ao pescoço punham um cordão de ouro ou um colar de corais, os mais pobres eram de miçangas; ornavam a cabeça com uma espécie de turbante a que davam o nome de trunfas, formado por um grande lenço branco muito teso e engomado; calçavam umas chinelinhas de salto alto, e tão pequenas, que apenas continham os dedos dos pés, ficando de fora todo o calcanhar; e além de tudo isto envolviam-se graciosamente em uma capa de pano preto, deixando de fora os braços ornados de argolas de metal simulando pulseiras. (ALMEIDA, 1978, p. 75 – 76).


TEXTO II:
Iracema, de Jose de Alencar – Capítulo III

Quando os viajantes entraram na densa penumbra do bosque, então seu olhar como o do tigre, afeito às trevas, conheceu Iracema e viu que a seguia um jovem guerreiro, de estranha raça e longes terras.
As tribos tabajaras, d’além Ibiapaba, falavam de uma nova raça de guerreiros, alvos como flores de borrasca, e vindos de remota plaga às margens do Mearim. O ancião pensou que fosse um guerreiro semelhante, aquele que pisava os campos nativos.
Tranqüilo, esperou.
A virgem aponta para o estrangeiro e diz:
Ele veio, pai.
Veio bem. É Tupã que traz o hóspede à cabana de Araquém. Assim dizendo, o pajé passou o cachimbo ao estrangeiro; e entraram ambos na cabana.
O mancebo sentou-se na rede principal, suspensa no centro da habitação.
Iracema acendeu o fogo da hospitalidade; e trouxe o que havia de provisões para satisfazer a fome e a sede: trouxe o resto da caça, a farinha-d’água, os frutos silvestres, os favos de mel e o vinho de caju e ananás.
Depois a virgem entrou com a igaçaba, que enchera na fonte próxima de água fresca para lavar o rosto e as mãos do estrangeiro.
Quando o guerreiro terminou a refeição, o velho pajé apagou o cachimbo e falou:
Vieste?
Vim, respondeu o desconhecido.
Bem vieste. O estrangeiro é senhor na cabana de Araquém. Os tabajaras têm mil guerreiros para defendê-lo, e mulheres sem conta para servi-lo. Dize, e todos te obedecerão. (ALENCAR, 1979, p. 14).


Os escritores românticos da primeira geração caracterizaram-se por buscar uma identidade nacional, através da criação escapista de modelos de comportamento. Algo como os aedos faziam, através da oralidade, na Antiga Grécia, esculpindo heróis em palavras e atos memoráveis, de maneira a gerar um sentimento na sociedade, a respeito de como ela deveria ser, criando paradigmas culturais e sociais.
No caso do romantismo brasileiro, emulando o seu coirmão europeu, que buscava a fuga da realidade social no passado da Idade Média, houve um retrocesso ao período inicial da história do Brasil, ou até antes da chegada dos primeiros invasores portugueses, uma vez que não houve Idade Média histórica em nosso país. Fora do mundo ficcional, o processo de colonização brasileiro foi o resultado de um projeto sangrento e brutal de dominação econômica, religiosa e militar, e não uma reunião amigável e diplomática, um bate papo camarada, como temos no texto de José de Alencar, em um trecho do romance Iracema: “O estrangeiro é senhor na cabana de Araquém. Os tabajaras têm mil guerreiros para defendê-lo, e mulheres sem conta para servi-lo. Dize, e todos te obedecerão.”.
Essa visão utópica e idealizada do confronto de culturas e povos na formação do Brasil, realizada nas tintas do romance supracitado, buscava retratar como os autores românticos gostariam que tivesse sido: uma fusão harmônica e cordial entre o branco invasor, dotado de maior força econômica e militar, e os povos ameríndios, dizimados por uma ferocidade poucas vezes testemunhada no percurso da humanidade dentro dos caminhos da história.
Muitas vezes um texto tem revelado suas ideias, mais pelo que ele deixa de citar, do que pelo que consta nas palavras do mesmo. Salta aos olhos o fato desse paradigma romântico produzir, para uma das nossas três raças predominantemente formadoras da genética brasileira, um fenômeno de invisibilidade, como no caso do autor José de Alencar. Ele, simplesmente ignora a presença dos africanos e seus descendentes na sociedade brasileira, mesmo sendo esses, a força motriz da economia brasileira à época, fundamentada nos pilares da agricultura de exportação, no modelo latifundiário, que ainda exibe seus resquícios de poder nos dias de hoje, através das negociatas explícitas da bancada do agronegócio, pelos corredores, salas, e plenários do Congresso Nacional, que uma boa consulta aos jornais e revistas podem corroborar.
Já, Manoel Antônio de Almeida, no texto destacado da obra Memórias de Um Sargento de Milícias, após usar adjetivos grandiloquentes para exaltar a religiosidade de origem europeia, tais como: “magníficas”, “em muito maior escala e grandeza”, “ser mais rica e ostentar maior luxo” e “pompa extraordinária”, passa a execrar a participação dos negros, na cerimônia descrita, não percebendo o caleidoscópio belíssimo do sincretismo religioso e social presente na tela que se apresentava descrita por ele mesmo. No caso: negras chamadas de “Baianas”. Observe o trecho: Todos conhecem o modo por que se vestem as negras da Bahia;… não aconselhamos porém que ninguém o adote”, no qual o autor desaprova a forma com a qual as mesma estão vestidas, como se fosse escolha das dançarinas, e não a sua única opção, pela posição social que ocupavam. Além disso, há uma divertida, porque também dúbia e hesitante, tensão sensual: “um país em que todas as mulheres usassem desse traje,...seria uma terra de perdição e de pecados”, gerando uma contradição entre execração e desejo, que o texto mesmo tentando ocultar, não se furta de revelar em suas entrelinhas. Por fim, e não menos relevante, explicita, de forma lamentável, uma suposta superioridade da beleza genética europeia, através do elogio à cor da epiderme das mulheres do velho continente: especialmente se fosse desses abençoados em que elas são alvas e formosas“. É de estarrecer. O autor diz que país abençoado é o que possui mulheres alvas, quando a beleza humana está permeada em todos os povos, muito além do aprisionamento em padrões estéticos preestabelecidos e impostos culturalmente. No caso do autor, há uma preferência clara pelos padrões europeus na criação de um projeto de identidade nacional, beirando os limites em que essa escolha se transforma em mal disfarçado preconceito.
Apesar dessas incongruências, deve ser destacado por fim, mas não menos importante, o primor dos textos em análise, dotados de um talentoso uso da língua portuguesa para narrar as manifestações ficcionais dos autores, produzindo textos clássicos e históricos de uma época importante de nossa manifestação literária.

Questão 2 (Valor: 5,0) – sobre a aula 04 –

O conceito de interdisciplinaridade (estabelecimento de relações entre duas ou mais disciplinas ou ramos de conhecimento) é bastante valorizado, no presente como um método relevante para a construção do conhecimento nas mais diversas áreas dos estudos. Ao analisarmos o método críticos de Sílvio Romero concluímos que o estudioso adota uma noção bastante particular de interdisciplinaridade. Tal concepção teve um valor negativo nas formulações de Sílvio Romero, por quê?

O erudito Sílvio Romero, versado em muitas vertentes do conhecimento humano, tais como: “o Positivismo (Auguste Comte e Herbert Spencer - a extrema ordenação social levaria uma determinada comunidade ao progresso), o Evolucionismo (Charles Darwin - a permanência de um ser ou de uma espécie na natureza depende de sua capacidade de resistir e adaptar-se a transformações), o Socialismo Científico (Karl Marx - assevera que a fome do capitalismo irá conduzi-lo “naturalmente” à sua própria destruição, e que a transformação mundial advirá dos trabalhadores explorados) e, fundamentalmente, o Determinismo (Hippolyte Taine - toma fatores diversos da natureza e/ou da sociedade para explicar o caráter humano), além do Naturalismo, que é uma fusão de Evolucionismo e Determinismo, buscando em fatores externos ao homem os condicionantes de sua natureza interna,” não poderia fazer uma análise literária distante das óticas propostas pelas supracitadas ideologias presentes nesse conjunto de conhecimento chamada de Cientificismo. Então, para o crítico supracitado, em meio ao cipoal de novas ideias surgidas no período contemporâneo em que escreveu sua obra máxima, era uma combinação de meio natural, história e componente racial que ditava o tipo de literatura praticada nessas terras brasileiras.
Assim, essa singular interdisciplinaridade foi a principal ferramenta de crítica literária utilizada pelo sergipano ilustre, promovendo uma visão muito peculiar da literatura brasileira até aquele momento histórico.
Ocorre que uma obra literária deve ser medida pela sua literariedade, ou seja, uma miríade de características linguísticas, filosóficas, simbólicas e outras que permitem ser chamado de literário um texto qualquer. A arte pela arte, também é arte, e não a deixou de ser, por não ser engajada ou estar posta como um exercício criativo descompromissado, de puro diletantismo ou expansão da alma humana ante a aspereza da realidade. Essa corrente preconiza que a literatura, como arte, é autônoma, devendo ser criticada pelas suas particularidades específicas de forma e sentido, sem a interferência de disciplinas externas, apenas através de seu texto literário, retratado em um discurso diverso e único.
Sílvio Romero desprezou essa estratégia de crítica literária. Para ele, o que era digno de valor, estava no relacionamento entre a literatura e as outras disciplinas, de modo a auxiliar a constituição de uma percepção ampla do Brasil e suas peculiaridades. Nesse caminho, às vezes, Romero se perdia, falando de muitos assuntos simultâneos, menosprezando o que seria o principal: a literatura.




Do meu ponto de vista, ambos os caminhos, quando radicalizados, podem levar a uma crítica menor e fragmentada, explorando apenas parte do que poderiam. Tanto se equivocam os que colocam a arte na caixa hermeticamente fechada de uma manifestação artística pura e simples, e a analisam apenas pelas suas regras de literariedade, seus instrumentos e ferramentas básicas usadas na construção de um texto que possa ganhar o título de literário; quanto são equivocados os outros que focam mais na expansão da manifestação de literatura de forma centrífuga ao seu âmago artístico, levando-a a paragens de outras disciplinas, quando sem a devida temperança e prudência em suas visões, ampliando em demasia a análise, em uma prolixidade que acaba ocultando o principal objeto da crítica: a própria literatura. Ambos falham, porque a arte da construção de discursos textuais é tudo isso ao mesmo tempo: é arte, é manifestação, é influência para fora do campo da literatura, é transformação de realidade externa pela transformação das ideias, é expansão da alma humana, está imersa no meio natural, na história, na sociedade e na vida. Cabe ao crítico, entender as nuances diversas da obra literária, e saber qual a amplitude da lupa que usa em seu ofício analítico.

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