Professores
André Dias, Marcos
Pasche
e
Ilma Rebello
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Introdução
Em
determinado momento do décimo
primeiro livro de suas Confissões,
Santo Agostinho, filósofo cristão, reflete a respeito do tempo, no
intuito de encontrar definição para aquilo que se afigurava
indefinível a seus olhos e mente: “Que é, pois, o tempo? Se
ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a
pergunta, já não sei” (1996, p. 322). Diante da aporia
(dificuldade
ou dúvida racional decorrente da impossibilidade objetiva de obter
resposta ou conclusão para uma determinada indagação filosófica.
Situação insolúvel, sem saída.)
que
o emparedava, sem alcançar resposta objetiva ou satisfatória para
seu questionamento, o filósofo solicitava ajuda divina para alcançar
esclarecimento: “Senhor, desfazei este enigma!” (p. 329).
Passando
à Literatura, também nos deparamos como uma aporia, quando tentamos
defini-la. Como
se vê,
a resposta à pergunta “O que é literatura?” é tão pródiga de
possibilidades quanto inalcançável. Mas nem por isso os teóricos
se isentam de se lançarem a ela. No século XX, a questão tornou-se
central tanto entre artistas quanto entre pensadores, fazendo-se
fortemente atual ainda hoje, em pleno século XXI, tanto que a obra
que não carrega consigo, explícita ou implicitamente, a teorização
a respeito de seu próprio processamento, costuma ser identificada
por setores da crítica como menos expressiva.
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Concepções Literárias de José Veríssimo
José
Veríssimo foi um estudioso bastante afetado pela onda cientificista
de seu tempo. Mas também vimos que ele teve a capacidade de não
fazer das teorias que lhe foram contemporâneas uma camisa de força,
demonstrando o mérito de não engessar seu pensamento pelo
determinismo fechado.
Diferentemente
dos críticos naturalistas ortodoxos, que lidavam com a literatura
como se ela fosse um fato consumado, já saído da mente do autor
como produto das forças da história e da natureza, Veríssimo
recorre à filosofia e à estética para tentar compreender o
controverso e plural fenômeno:
“Várias
são as acepções do termo literatura: conjunto da produção
intelectual humana escrita; conjunto de obras especialmente
literárias; conjunto (e este sentido, creio, nos veio da Alemanha)
de obras sobre um dado assunto, ao que chamamos mais vernacularmente
bibliografia de um assunto ou matéria; boas letras; e, além de
outros derivados secundários, um ramo especial daquela produção,
uma variedade da Arte, a arte literária (p. 23).”
A
diferenciação principal, estabelecida entre a ideia de literatura
como conjunto de textos aproximados pelo assunto e entre a de
literatura como texto de natureza artística, é ampliada por uma
interpretação do próprio Veríssimo, de acordo com a qual o fim
maior da literatura é comover. A mais, para solidificar seu conceito
literário, ele recorre a uma definição do crítico português
Moniz Barreto (1863-1896), para quem o caráter essencial da obra
literária é “a generalização no pensamento e a generalidade na
expressão”, ou seja, a capacidade da literatura de tratar de
diversos assuntos a partir de formas variadas, sem o compromisso
previamente estabelecido de assumir uma dicção ou abraçar um tema.
Diversa na forma, ampla no tema e voltada para comover: esta é
sem dúvida uma aproximação do conceito literário de José
Veríssimo.
“História
da literatura de um país e história literária do mesmo não são,
a meu ver, exatamente a mesma coisa, e era evidente para todo o
espírito atilado e desprevenido que escrevendo intencionalmente
aquela frase eu intencionalmente distinguia as duas coisas. Há nas
obras escritas de um povo uma cópia enorme de produções que,
fazendo parte de sua história literária, que é a história de
quanto ele escreveu, ainda com interesse prático e sem mira de
provocar uma emoção, ou exprimir a beleza, e sem a generalidade que
constitui a obra de pura literatura, não fazem parte da história
desta. A história de uma literatura deve, penso eu, e parece-me esta
é a compreensão comum, compreender somente o que é literatura,
isto é, segundo um escritor francês, “todas as obras inspiradas
principalmente pelo intuito de comunicar a outro uma emoção
desinteressada” (1977, p. 126).”
Mais
uma vez confirma-se a distinção:
a literatura genérica é o coletivo de letra,
de discurso escrito;
a literatura específica é a de caráter artístico, nascida da
espontaneidade e marcada pela beleza (Veríssimo partilhava da ideia
de perfeição formal, que sabemos tão cara aos tradicionalistas
parnasianos).
José
Veríssimo formula uma divisão binária da Literatura Brasileira:
“Concluo, portanto, sem presumir de incontestável este juízo, que
na história da literatura brasileira, períodos definidos, bem
determinados, distintos, só há dois: o colonial e o nacional”,
diz o autor em “Os períodos ou épocas da literatura brasileira”
(1977, p. 82).
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A História da Literatura Literária do Brasil
Apesar
de bem menos volumosa, a História
da literatura brasileira, de
José Veríssimo tem mais alcance do que a obra homônima de Sílvio
Romero, e em vários aspectos. A própria redação mais enxuta é o
primeiro deles, pois Veríssimo, ao definir seu conceito de
literatura e, mais especificamente, o de Literatura Brasileira, foi
diretamente ao assunto, abordando só o que julgava interessante.
Assim,
isentou seu livro de qualquer possibilidade de
semelhança a um tratado cientificista, não cedeu à deselegante
postura de usar seu livro para promover a si próprio, enaltecendo
seus “admiráveis” feitos intelectuais e/ou políticos. Por
tudo isso, os julgamentos efetivados por
Veríssimo parecem-nos bem mais amplos e fundamentados do que os do
fundador da crítica moderna no Brasil (Sílvio
Romero).
Como
ponto negativo, destacamos que Veríssimo se manteve ligado ao
evolucionismo e ao determinismo de caráter histórico, e entendia
que nossa literatura, em conjunto, tornara-se independente e
interessante a partir do momento em que se pintou com as cores
nacionais, personificadas nas paisagens e no
índio brasileiro.
Pontuou
sobre o Século XVII: “Não é, pois,
de estranhar que em nenhum dos primeiros cronistas e noticiadores do
Brasil, no primeiro e ainda no segundo século da colonização,
mesmo quando já havia manifestações literárias, se não encontre
a menor referência ou alusão a qualquer forma de atividade mental
aqui, a existência de um livro, de um estudioso ou coisa que o valha
(1916, p. 38).
A
respeito do Século XVII: busca
identificar as reais origens da literatura nacional. Ao perguntar
qual teria sido o primeiro brasileiro a publicar uma obra literária,
encontra resposta na figura de Bento Teixeira, o qual “fica, pois,
sendo, não só o primeiro em data dos poetas brasileiros, mas o
patriarca dos nossos ‘engrossadores’ literários” (p. 53). Não
se vê o emprego do termo Barroco,
mas os destaques já eram os que se fazem ainda hoje: padre Antônio
Vieira, na prosa, e Gregório de Matos, na poesia. A respeito do
sacerdote, é destacada a sua atuação como religioso e protetor dos
índios. Vieira recebe destaque ainda pelo engenho e o apuro dos seus
sermões, com os quais foi elevado à categoria de autor de discursos
estéticos: “No seu tempo se fazia justamente ouvir a voz eloquente
e florida do Padre Antônio Vieira e a sua palavra de um tão sabor
literário”. Em se tratando de Gregório
de Matos, Veríssimo é mais reverente: a ele dedica um capítulo à
parte, assim iniciado: “Do grupo baiano o mais conhecido, o mais
interessante e curioso e ainda, em suma, o mais distinto é Gregório
de Matos” (p. 91). O crédito não deriva da originalidade
discursiva do baiano, nem da maneira como exprimiu as angústias do
homem dilacerado por verdades antagônicas. Não. Para Veríssimo,
Gregório, “um poeta burlesco, picaresco e até chulo” (p. 101),
tem importância literária “por lances interessantíssimos à
história dos nossos costumes e da sociedade do seu tempo” (p.
105). Ou seja, o poeta construiu obra relevante por ela retratar
alguns itens da sociedade em que viveu seu autor.
Sobre
o Século XVIII, vê na riqueza
mineradora um impulso à cultura. Ao mesmo tempo em que emprega o
termo “Arcadismo”, ele rejeita “Escola Mineira”, por não
enxergar aqui uma escola ou estilo, visto que o manifesto ideológico
dos árcades, preconizando uma literatura da simplicidade e do
equilíbrio, não alcançou correlação na efetivação da escrita.
Daí o Arcadismo ter se mantido, em sua opinião, bastante análogo
ao seiscentismo. Apesar de não ver no momento uma elevação ou
evolução substantiva, Veríssimo derrama-se em elogios ao afamado
livro de Tomás Antônio Gonzaga, “Marília
de Dirceu, o título consagrado das
liras de Gonzaga, é a mais nobre e perfeita idealização do amor da
nossa poesia”.
Em
relação ao Século XIX, afirmou ser o mais alto feito da literatura
nacional em termos de conjunto,
o Romantismo: “Verdadeiramente é do século XIX que podemos datar
a existência de uma literatura brasileira” (p. 163).
Diferentemente de Romero, que divide a poesia romântica em seis
gerações, Veríssimo a classifica em três fases (chamando-as de
gerações também) e
conforme dissemos anteriormente, inclui os prosadores e elege como
principais representantes Gonçalves Dias e José de Alencar, ambos
pela qualidade literária e pela vontade persistente de promover a
literatura nacional (p. 271). Também na contramão de Sílvio
Romero, José Veríssimo dá pouca importância ao Condoreirismo,
para ele “um falso gênero de poesia enfática e declamatória”
(p. 314). Em nada confirma a importância dada pelo sergipano a
Tobias Barreto, e destaca a primazia de Castro Alves, mas sem o
respeito firme dado aos próceres da segunda geração e, muitíssimo
menos, sem a paixão com que exaltou os românticos do primeiro
momento.
A
parte final do século XIX representa um cruzamento de tendências
ideológicas e de formas literárias na Europa e, portanto, no
Brasil. A esse momento Veríssimo chamará de “Modernismo”,
porque via no movimento das letras uma extensão das transformações
políticas e sociais que germinavam no Brasil àquela altura,
consumadas com a Abolição e a Proclamação da República.
Veríssimo
não adota o termo “Realismo” para nomear um estilo, e despreza o
Simbolismo por ver nele manifestação obscura e desimportante
(é sabido que os simbolistas foram marginalizados no período em que
escreviam).
Por
isso, os estilos autenticamente representativos da fase moderna da
Literatura Brasileira seriam o Naturalismo e o Parnasianismo. Ao
primeiro, Veríssimo deu bem pouca importância: “Obras realmente
notáveis e vivedouras, ou sequer estimáveis, bem poucas produziu, e
nomes que mereçam ser historiados são, acaso, apenas três: Aluísio
de Azevedo, Júlio Ribeiro e Raul Pompeia” (p. 338). A respeito
do segundo, Veríssimo foi apenas constatador e descritivo, vendo, de
forma inteligente, que a estética parnasiana não se manifestou, no
Brasil, como mero transplante. A cultura local moldou o rigor formal,
e os nossos parnasianos, apontados pelos manuais como impessoais e
contidos, ufanaram-se pela pátria e declararam amor às estrelas e
às belas formas de escrita.
Para
ele, Machado de Assis foi “a mais alta expressão do nosso gênio
literário” (p. 393), “poeta dos mais importantes da literatura
brasileira” (p. 403) e “o mais insigne dos seus prosadores”
(idem).
A respeito de Memórias
póstumas de Brás Cubas,
não é menos econômico em seus juízos:
“...romance
de rara originalidade, uma obra, a despeito do seu tom ligeiro de
fantasia humorística, fundamente meditada e fortemente travada em
todas as suas partes, porventura a mais excelente que a nossa
imaginação já produziu (p. 405).”
Nisso
José Veríssimo alcançou um dos seus maiores méritos, pois foi um
dos raros contemporâneos de Machado de Assis a não lhe rejeitar a
obra, sob a justificativa de estranha e desprovida de linearidade
discursiva (Sílvio Romero, inclusive, relacionou o estilo do autor à
sua gagueira, e concluiu que o autor não tinha méritos literários
por não possuir continuadores do seu estilo).
Ao
fazermos um retrospecto do legado de José
Veríssimo, independente das limitações impostas pelo ideário
crítico de seu tempo, concluímos que o estudioso produziu uma obra
de imensa qualidade, dando uma contribuição decisiva para o
aprimoramento da crítica literária do Brasi
POR FAVOR, VOLTA COM ESTE BLOG, RS. Estou no segundo período de Letras do CEDERJ e estou estudando pelos seus resumos. Obrigado pelos seus escritos. Abraços!
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