domingo, 10 de abril de 2016

Literatura Brasileira I - Resumo da Aula 6: A história da específica Literatura Brasileira – a obra de José Veríssimo (II)

Professores André Dias, Marcos Pasche e Ilma Rebello

  1. Introdução

Em determinado momento do décimo primeiro livro de suas Confissões, Santo Agostinho, filósofo cristão, reflete a respeito do tempo, no intuito de encontrar definição para aquilo que se afigurava indefinível a seus olhos e mente: “Que é, pois, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei” (1996, p. 322). Diante da aporia (dificuldade ou dúvida racional decorrente da impossibilidade objetiva de obter resposta ou conclusão para uma determinada indagação filosófica. Situação insolúvel, sem saída.) que o emparedava, sem alcançar resposta objetiva ou satisfatória para seu questionamento, o filósofo solicitava ajuda divina para alcançar esclarecimento: “Senhor, desfazei este enigma!” (p. 329).
Passando à Literatura, também nos deparamos como uma aporia, quando tentamos defini-la. Como se vê, a resposta à pergunta “O que é literatura?” é tão pródiga de possibilidades quanto inalcançável. Mas nem por isso os teóricos se isentam de se lançarem a ela. No século XX, a questão tornou-se central tanto entre artistas quanto entre pensadores, fazendo-se fortemente atual ainda hoje, em pleno século XXI, tanto que a obra que não carrega consigo, explícita ou implicitamente, a teorização a respeito de seu próprio processamento, costuma ser identificada por setores da crítica como menos expressiva.


  1. Concepções Literárias de José Veríssimo

José Veríssimo foi um estudioso bastante afetado pela onda cientificista de seu tempo. Mas também vimos que ele teve a capacidade de não fazer das teorias que lhe foram contemporâneas uma camisa de força, demonstrando o mérito de não engessar seu pensamento pelo determinismo fechado.
Diferentemente dos críticos naturalistas ortodoxos, que lidavam com a literatura como se ela fosse um fato consumado, já saído da mente do autor como produto das forças da história e da natureza, Veríssimo recorre à filosofia e à estética para tentar compreender o controverso e plural fenômeno:
Várias são as acepções do termo literatura: conjunto da produção intelectual humana escrita; conjunto de obras especialmente literárias; conjunto (e este sentido, creio, nos veio da Alemanha) de obras sobre um dado assunto, ao que chamamos mais vernacularmente bibliografia de um assunto ou matéria; boas letras; e, além de outros derivados secundários, um ramo especial daquela produção, uma variedade da Arte, a arte literária (p. 23).”
A diferenciação principal, estabelecida entre a ideia de literatura como conjunto de textos aproximados pelo assunto e entre a de literatura como texto de natureza artística, é ampliada por uma interpretação do próprio Veríssimo, de acordo com a qual o fim maior da literatura é comover. A mais, para solidificar seu conceito literário, ele recorre a uma definição do crítico português Moniz Barreto (1863-1896), para quem o caráter essencial da obra literária é “a generalização no pensamento e a generalidade na expressão”, ou seja, a capacidade da literatura de tratar de diversos assuntos a partir de formas variadas, sem o compromisso previamente estabelecido de assumir uma dicção ou abraçar um tema. Diversa na forma, ampla no tema e voltada para comover: esta é sem dúvida uma aproximação do conceito literário de José Veríssimo.
“História da literatura de um país e história literária do mesmo não são, a meu ver, exatamente a mesma coisa, e era evidente para todo o espírito atilado e desprevenido que escrevendo intencionalmente aquela frase eu intencionalmente distinguia as duas coisas. Há nas obras escritas de um povo uma cópia enorme de produções que, fazendo parte de sua história literária, que é a história de quanto ele escreveu, ainda com interesse prático e sem mira de provocar uma emoção, ou exprimir a beleza, e sem a generalidade que constitui a obra de pura literatura, não fazem parte da história desta. A história de uma literatura deve, penso eu, e parece-me esta é a compreensão comum, compreender somente o que é literatura, isto é, segundo um escritor francês, “todas as obras inspiradas principalmente pelo intuito de comunicar a outro uma emoção desinteressada” (1977, p. 126).”
Mais uma vez confirma-se a distinção: a literatura genérica é o coletivo de letra, de discurso escrito; a literatura específica é a de caráter artístico, nascida da espontaneidade e marcada pela beleza (Veríssimo partilhava da ideia de perfeição formal, que sabemos tão cara aos tradicionalistas parnasianos).
José Veríssimo formula uma divisão binária da Literatura Brasileira: “Concluo, portanto, sem presumir de incontestável este juízo, que na história da literatura brasileira, períodos definidos, bem determinados, distintos, só há dois: o colonial e o nacional”, diz o autor em “Os períodos ou épocas da literatura brasileira” (1977, p. 82).


  1. A História da Literatura Literária do Brasil

Apesar de bem menos volumosa, a História da literatura brasileira, de José Veríssimo tem mais alcance do que a obra homônima de Sílvio Romero, e em vários aspectos. A própria redação mais enxuta é o primeiro deles, pois Veríssimo, ao definir seu conceito de literatura e, mais especificamente, o de Literatura Brasileira, foi diretamente ao assunto, abordando só o que julgava interessante.
Assim, isentou seu livro de qualquer possibilidade de semelhança a um tratado cientificista, não cedeu à deselegante postura de usar seu livro para promover a si próprio, enaltecendo seus “admiráveis” feitos intelectuais e/ou políticos. Por tudo isso, os julgamentos efetivados por Veríssimo parecem-nos bem mais amplos e fundamentados do que os do fundador da crítica moderna no Brasil (Sílvio Romero).
Como ponto negativo, destacamos que Veríssimo se manteve ligado ao evolucionismo e ao determinismo de caráter histórico, e entendia que nossa literatura, em conjunto, tornara-se independente e interessante a partir do momento em que se pintou com as cores nacionais, personificadas nas paisagens e no índio brasileiro.
Pontuou sobre o Século XVII: “Não é, pois, de estranhar que em nenhum dos primeiros cronistas e noticiadores do Brasil, no primeiro e ainda no segundo século da colonização, mesmo quando já havia manifestações literárias, se não encontre a menor referência ou alusão a qualquer forma de atividade mental aqui, a existência de um livro, de um estudioso ou coisa que o valha (1916, p. 38).
A respeito do Século XVII: busca identificar as reais origens da literatura nacional. Ao perguntar qual teria sido o primeiro brasileiro a publicar uma obra literária, encontra resposta na figura de Bento Teixeira, o qual “fica, pois, sendo, não só o primeiro em data dos poetas brasileiros, mas o patriarca dos nossos ‘engrossadores’ literários” (p. 53). Não se vê o emprego do termo Barroco, mas os destaques já eram os que se fazem ainda hoje: padre Antônio Vieira, na prosa, e Gregório de Matos, na poesia. A respeito do sacerdote, é destacada a sua atuação como religioso e protetor dos índios. Vieira recebe destaque ainda pelo engenho e o apuro dos seus sermões, com os quais foi elevado à categoria de autor de discursos estéticos: “No seu tempo se fazia justamente ouvir a voz eloquente e florida do Padre Antônio Vieira e a sua palavra de um tão sabor literário”. Em se tratando de Gregório de Matos, Veríssimo é mais reverente: a ele dedica um capítulo à parte, assim iniciado: “Do grupo baiano o mais conhecido, o mais interessante e curioso e ainda, em suma, o mais distinto é Gregório de Matos” (p. 91). O crédito não deriva da originalidade discursiva do baiano, nem da maneira como exprimiu as angústias do homem dilacerado por verdades antagônicas. Não. Para Veríssimo, Gregório, “um poeta burlesco, picaresco e até chulo” (p. 101), tem importância literária “por lances interessantíssimos à história dos nossos costumes e da sociedade do seu tempo” (p. 105). Ou seja, o poeta construiu obra relevante por ela retratar alguns itens da sociedade em que viveu seu autor.
Sobre o Século XVIII, vê na riqueza mineradora um impulso à cultura. Ao mesmo tempo em que emprega o termo “Arcadismo”, ele rejeita “Escola Mineira”, por não enxergar aqui uma escola ou estilo, visto que o manifesto ideológico dos árcades, preconizando uma literatura da simplicidade e do equilíbrio, não alcançou correlação na efetivação da escrita. Daí o Arcadismo ter se mantido, em sua opinião, bastante análogo ao seiscentismo. Apesar de não ver no momento uma elevação ou evolução substantiva, Veríssimo derrama-se em elogios ao afamado livro de Tomás Antônio Gonzaga, “Marília de Dirceu, o título consagrado das liras de Gonzaga, é a mais nobre e perfeita idealização do amor da nossa poesia”.
Em relação ao Século XIX, afirmou ser o mais alto feito da literatura nacional em termos de conjunto, o Romantismo: “Verdadeiramente é do século XIX que podemos datar a existência de uma literatura brasileira” (p. 163). Diferentemente de Romero, que divide a poesia romântica em seis gerações, Veríssimo a classifica em três fases (chamando-as de gerações também) e conforme dissemos anteriormente, inclui os prosadores e elege como principais representantes Gonçalves Dias e José de Alencar, ambos pela qualidade literária e pela vontade persistente de promover a literatura nacional (p. 271). Também na contramão de Sílvio Romero, José Veríssimo dá pouca importância ao Condoreirismo, para ele “um falso gênero de poesia enfática e declamatória” (p. 314). Em nada confirma a importância dada pelo sergipano a Tobias Barreto, e destaca a primazia de Castro Alves, mas sem o respeito firme dado aos próceres da segunda geração e, muitíssimo menos, sem a paixão com que exaltou os românticos do primeiro momento.
A parte final do século XIX representa um cruzamento de tendên­cias ideológicas e de formas literárias na Europa e, portanto, no Brasil. A esse momento Veríssimo chamará de “Modernismo”, porque via no movimento das letras uma extensão das transformações políticas e sociais que germinavam no Brasil àquela altura, consumadas com a Abolição e a Proclamação da República.
Veríssimo não adota o termo “Realismo” para nomear um estilo, e despreza o Simbolismo por ver nele manifestação obscura e desimportante (é sabido que os simbolistas foram marginalizados no período em que escreviam).
Por isso, os estilos autenticamente representativos da fase moderna da Literatura Brasileira seriam o Naturalismo e o Parnasianismo. Ao primeiro, Veríssimo deu bem pouca importância: “Obras realmente notáveis e vivedouras, ou sequer estimáveis, bem poucas produziu, e nomes que mereçam ser historiados são, acaso, apenas três: Aluísio de Azevedo, Júlio Ribeiro e Raul Pompeia” (p. 338). A respeito do segundo, Veríssimo foi apenas constatador e descritivo, vendo, de forma inteligente, que a estética parnasiana não se manifestou, no Brasil, como mero transplante. A cultura local moldou o rigor formal, e os nossos parnasianos, apontados pelos manuais como impessoais e contidos, ufanaram-se pela pátria e declararam amor às estrelas e às belas formas de escrita.
Para ele, Machado de Assis foi “a mais alta expressão do nosso gênio literário” (p. 393), “poeta dos mais importantes da literatura brasileira” (p. 403) e “o mais insigne dos seus prosadores” (idem). A respeito de Memórias póstumas de Brás Cubas, não é menos econômico em seus juízos:
...romance de rara originalidade, uma obra, a despeito do seu tom ligeiro de fantasia humorística, fundamente meditada e fortemente travada em todas as suas partes, porventura a mais excelente que a nossa imaginação já produziu (p. 405).”
Nisso José Veríssimo alcançou um dos seus maiores méritos, pois foi um dos raros contemporâneos de Machado de Assis a não lhe rejeitar a obra, sob a justificativa de estranha e desprovida de linearidade discursiva (Sílvio Romero, inclusive, relacionou o estilo do autor à sua gagueira, e concluiu que o autor não tinha méritos literários por não possuir continuadores do seu estilo).

Ao fazermos um retrospecto do legado de José Veríssimo, independente das limitações impostas pelo ideário crítico de seu tempo, concluímos que o estudioso produziu uma obra de imensa qualidade, dando uma contribuição decisiva para o aprimoramento da crítica literária do Brasi

Um comentário:

  1. POR FAVOR, VOLTA COM ESTE BLOG, RS. Estou no segundo período de Letras do CEDERJ e estou estudando pelos seus resumos. Obrigado pelos seus escritos. Abraços!

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