sábado, 26 de março de 2016

Literatura Brasileira I - Resumo da Aula 3: A história e a literatura como produtos da ciência – a historiografia de Sílvio Romero (I)

Professores André Dias, Ilma Rebello e Marcos Pasche


1) Quando Sílvio Romero ainda não era Sílvio Romero 

O estudioso sergipano começou a redigir suas intervenções em fins da década de 1860, quando tinha apenas 18 anos (ele nascera em 1851). Apenas uma década depois iniciaria sua efetiva carreira intelectual, passando a publicar os primeiros livros, quando a cena literária brasileira era protagonizada pelo Romantismo, caracterizada por um predomínio da idealização da realidade, fartura de sentimentalismo e uma soma estranha, porém bem resolvida pelos românticos, de meiguice e morbidez. 

Àquela época, o escritor de literatura, normalmente homem elitista e profissional das leis ou da política (ou de ambas), não raro desempenhava os papéis de historiador, de antropólogo, de sociólogo etc. O caso talvez mais ilustrativo desse típico homem letrado no Brasil oitocentista é o do cearense José de Alencar, que em suas obras literárias apresentou, por exemplo, a figura do índio em grande medida como uma caricatura de um cavaleiro medieval. Porém, o conjunto da obra literária de Alencar se configurou como um dos primeiros e mais relevantes projetos intelectuais de formação da nacionalidade brasileira já vistos até então.


2) Entre Lá e Cá 

Sílvio Romero, que sempre foi dado ao barulho e à polêmica. Alguns pontos de vista (alguns contraditórios) do sergipano:
  • desagradava da ideia reducionista de que o Brasil deveria ser o ponto de partida e de chegada das reflexões das ciências humanas; 
  • contraditoriamente, este mesmo crítico da ideia de que ao brasileiro bastava o Brasil foi um grande defensor do nacionalismo literário e social; 
  • afirmava que uma obra se tornava mais verdadeira quanto mais se aproximasse da realidade que cercasse seu autor; 
  • posicionou-se firmemente contra o Romantismo; 
  • defendia também que o papel do escritor era o de contribuir para a expressão e o conhecimento do caráter nacional brasileiro, o que foi um projeto inscrito na ordem do dia dos primeiros românticos. 
Acreditava que os autores brasileiros deveriam escrever sobre o Brasil e fazer uma adaptação da linguagem literária tradicional para que isso forjasse um modo particular de dizer as coisas por meio da literatura. Esse abrasileiramento contribuiria para que se retirassem de cena os meros imitadores da literatura portuguesa. 

Por outro lado, Sílvio apregoava a necessidade de o conhecimento atravessar fronteiras, para que o intelectual do país não se fechasse num universo restrito, até mesmo porque os naturalistas acreditavam na superioridade intelectual da Europa, por lá estar uma civilização mais avançada do que a nossa e desenvolvida por uma raça superior à dos habitantes locais. 

Não há contradição nesse caso, mas um reconhecimento da validade dos dois paradigmas. Tentemos perceber isso agora por meio de suas próprias palavras, todas extraídas da História da Literatura Brasileira: 
  • Sobre mérito e demérito literário 
“Todo brasileiro é um mestiço, quando não no sangue, nas ideias. Os operários deste fato inicial têm sido: o português, o negro, o índio, o meio físico e a imitação estrangeira.” 

“Tudo quanto há contribuído para a diferenciação nacional deve ser estudado, e a medida do mérito dos escritores é este critério novo. Tanto mais um autor ou um político tenha trabalhado para a determinação de nosso caráter nacional, quanto maior é o seu merecimento.” 
  • Sobre o erro de posturas unilaterais entre xenofobia e respeito aos valores brasileiros 
“Deve saber do que se vai pelo mundo culto, isto é, entre aquelas nações europeias que imediatamente influenciam a inteligência nacional, e incumbe-lhe também não perder de mira que escreve para um povo que se forma, que tem suas tendências próprias, que pode tomar uma feição, um ascendente original.”

“Se é uma coisa ridícula a reclusão do pensamento nacional numas pretensões exclusivistas, se é lastimável o espetáculo de alguns escritores nossos, atrasados, alheios a tudo quanto vai de mais palpitante no mundo da inteligência, não é menos desprezível a figura do imitador, do copista servil e fátuo de toda e qualquer bagatela que os paquetes nos tragam de Portugal, ou de França, ou de qualquer outra parte…”
  • Refaz o seu ponto de vista sobre o indianismo (Gonçalves Dias e José de Alencar) 
“Eu não sou e nunca fui indianista: sempre estive na brecha batendo os exageros do sistema, quando das mãos dos dois grandes mestres [Dias e Alencar] passou às dos sectários medíocres. Mas esse velho, e por mim tão maltratado indianismo, teve um grandíssimo alcance: foi uma palavra de guerra para unir-nos e fazer-nos trabalhar por nós mesmos nas letras.

Sílvio Romero, ao abordar a questão do local e do universal (encruzilhada longamente presente na literatura brasileira), alertou para a invalidade das duas posturas, desde que cada uma fosse tomada de forma irrestrita, e por isso restritiva. 


3) O Caminho do Meio 

Antes de Sílvio Romero, o que se entendia por crítica literária limitava-se a Livros como O Parnaso brasileiro (1831), de Januário da Cunha Barbosa, Varões ilustres do Brasil nos tempos coloniais (1858), de Pereira da Silva, ou Curso elementar de literatura nacional (1862), do cônego Fernandes Pinheiro, que resumem-se basicamente a arrolar certos autores e os textos que escreveram, além de um ou outro item biográfico.

Esse tipo de aglutinação, desprovido de método e de rigor interpretativo, foi predominante por muito tempo no Brasil, e pode-se dizer com convicção que Sílvio Romero foi quem o quebrou de maneira firme e sistematizada, sendo por isso pertinente considerá-lo o fundador da crítica moderna no Brasil.

A História da literatura brasileira (1888) apresenta um longo discurso não apenas sobre a as letras nacionais, e sim sobre todo um complexo existencial do país. 

É preciso creditar a Sílvio Romero a intensa atividade profilática contra a hipérbole, a atitude embasbacada e o louvor indiscriminado, que predominavam na crítica romântica. Ele acidulou o vocabulário, adotou uma estratégia de agressão que o leva a comparar incessantemente a literatura à realidade do quotidiano, e assim estimulava o leitor a encarar criticamente o seu país.

“Prólogo da 1ª edição” (da História da Literatura Brasileira): “Sempre a força biológica na história, isto é, a ação étnica, representada pelo sangue e pela língua, foi-se tornando o centro de atração constituidor dos grandes focos nacionais. Assim foi por toda a parte”.

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