Professores Ivo da Costa do Rosário e Mariangela Rios de Oliveira
1. O que é Sintaxe?
Definimos gramática como o conjunto das regras e convenções que nos permitem fazer entender uns aos outros.
Cada nível da gramática da língua constitui uma área de abordagem dos estudos linguísticos. Basicamente, reconhecemos a existência de três níveis: fonológico (fonemas e sílabas), morfológico (morfemas e palavras) e sintático (sintagmas, frases e períodos).
Sintaxe é a parte da gramática que nos permite produzir e interpretar as frases da língua, inclusive aquelas que jamais havíamos ouvido, lido ou pronunciado (Azeredo/1995).
A ordenação padrão em língua portuguesa, a sintaxe preferencial usada para interpretar e produzir frases é: sujeito (S) + verbo (V) + complemento (C), ou simplesmente SVC.
Exemplo: (João) (seguiu) (Pedro) na rua.
S V C ADJUNTO
Isso significa que tendemos a considerar, em princípio, os nomes iniciais como agentes da ação verbal e os finais como os alvos, ou seja, os pacientes atingidos pela ação dos primeiros. As informações sobre circunstâncias da ação (modo, meio, tempo, lugar, entre outras) costumam se ordenar após o verbo, como papéis secundários ou adjuntos.
Essa ordenação SVC pode sofrer alterações, acréscimos, intercalações, enfim, uma série de modificações para atender a necessidades comunicativas.
Assim, podemos dizer que, embora a sintaxe da língua portuguesa não seja totalmente rígida, permitindo algumas alterações posicionais ou intercalações, entre outros procedimentos, as mudanças operadas na ordenação padrão (SVC + adjunto) provocam efeitos discursivos distintos, constituindo, portanto, outros modos de dizer e de comunicar.
Na modalidade escrita, quando ocorrem alterações na organização sintática padrão, pode-se usar a pontuação para marcar antecipações ou intercalações de constituintes. O que vai fazer com que se use ou não a vírgula nessa e em outras situações similares é a necessidade comunicativa, o efeito pretendido. Desta forma, quanto maior a intenção ou a necessidade de destacar ou enfatizar a circunstância expressa, maior a motivação para o uso da vírgula como marcação de pausa, de ruptura no nível sintático (estrutural) e no nível semântico (significativo).
Então, Sintaxe é a parte da gramática que descreve e interpreta a ordenação e a combinação hierárquica dos constituintes nas frases de uma língua, tendo como objeto de descrição e análise da sintaxe: o sintagma.
2. Sintagma: o objeto da Sintaxe
A Sintaxe não lida com fonemas e sílabas, como a fonologia, nem com vocábulos e afixos, como a morfologia, mas com unidades maiores, arranjos de um ou mais constituintes, em geral dispostos hierarquicamente, na composição de sintagmas. Estes são, de fato, os objetos da sintaxe.
a) Caracterização do Sintagma
O Sintagma é formado por dois ou mais “elementos consecutivos, um dos quais é o DETERMINADO (principal) e o outro o DETERMINANTE (subordinado)” (KURY, 1986, p. 9).
A concepção do sintagma é mais ampla do que a do vocábulo e mais restrita do que a da frase, situando-se em posição intermediária entre essas duas dimensões.
Por exemplo: (1) De grão em grão/ a galinha / enche [o papo].
Em (1), usamos barras para separar os três sintagmas que formam o provérbio. Podemos verificar que as separações coincidem com funções já referidas na seção “O que é sintaxe?”. Assim, o sintagma inicial de grão em grão atua como expressão do modo; o seguinte, a galinha, codifica o sujeito, enquanto o último, enche o papo, funciona como predicado, formado pelo verbo e seu complemento.
Em termos de hierarquia interna, podemos dizer que dois desses sintagmas se articulam por subordinação, como tende a ocorrer na maioria das formações sintagmáticas: /a galinha / e enche [o papo]. No sintagma a galinha, o primeiro termo, o artigo a, é o determinante, enquanto o segundo, o substantivo galinha, por ser o principal entre os dois constituintes desse sintagma, é o determinado. No sintagma enche o papo, temos o verbo como elemento principal ou determinado, seguido de seu complemento, o papo, na função de determinante. Porém, esse último sintagma possui ainda uma outra hierarquia interna, marcada aqui por colchetes, já que o complemento o papo também constitui um sintagma, em que o nome papo representa o elemento principal, determinado, e o artigo definido o atua como seu determinante.
Já o sintagma de grão em grão não apresenta hierarquia entre seus constituintes, uma vez que as duas ocorrências de grão situam-se no mesmo nível hierárquico, ou seja, são correspondentes, não há determinantes e determinados. Esse modo de organização, em que os constituintes se encontram no mesmo nível, pode ser encontrado basicamente na formação de construções compostas, em torno da partícula aditiva e, como em galinha e pato ou papo e estômago, por exemplo. Quando assim acontece, dizemos que se trata de coordenação, ou seja, de relações horizontais, pois não há um elemento principal em relação aos demais, por isso são desprovidas de hierarquia. Por outro lado, a subordinação estabelece relações verticais, em que um dos constituintes funciona como elemento principal ou determinado.
Concluindo, o Sintagma é formado por dois ou mais constituintes consecutivos, sendo um o determinado, o principal, e o outro, o determinante, o subordinado.
b) Propriedades do Sintagma
Para ser considerado um Sintagma, o termo tem que preencher alguns requisitos básicos (“peculiaridades distribucionais“), em termos de mobilidade, posição e organização interna.
1) Deslocamento
O sintagma se desloca na frase como um todo, para posições iniciais, mediais ou finais, não admitindo movimento de apenas um ou de alguns de seus constituintes. Assim, por exemplo, na frase (2), a seguir retomada, os deslocamento, somente sendo possíveis quando realizados por sintagmas completos.
Por exemplo:
Águas passadas / não movem [moinhos].
Não movem [moinhos] / águas passadas.
[Moinhos] não movem / águas passadas.
[Moinhos] águas passadas / não movem.
Águas passadas [moinhos]/ não movem.
Os deslocamentos ocorrem com a preservação dos sintagmas águas passadas e não movem, que se movimentam “em bloco”. Temos a possibilidade de lidar com o complemento moinhos considerado como um sintagma interno ao predicado, num nível hierárquico mais baixo que este. Por essa razão, admitimos, ainda que com probabilidade de ocorrência muito restrita, o deslocamento de moinhos na frase.
Não podemos alterar a ordem de seus constituintes internos, como em passadas águas, sob pena de estarmos construindo um novo sintagma, distinto do original na forma e no conteúdo. Tal característica ratifica a interpretação do sintagma como o verdadeiro objeto da sintaxe.
2) Substituição
O Sintagma é uma só estrutura de sentido e de forma, então pode ser substituído por uma unidade simples, como um pronome ou sinônimo.
Por exemplo:
João / seguiu [Pedro] / na rua.
Ele / seguiu-o / lá.
Para tanto, o conceito de anáfora (mecanismo sintático que utiliza um termo para fazer referência a um outro termo anterior que ocorre na mesma frase ou texto) é fundamental. Os pronomes ilustrados são de fato recursos anafóricos, já que estão no lugar de outros nomes, fazendo referência a constituintes que apareceram antes no texto.
3) Coordenação
O sintagma admite a interposição de um conectivo coordenativo entre seus constituintes, de modo a se estabelecer equivalência funcional, ou coordenação, desses elementos.
Por exemplo:
João / seguiu [Pedro] / na rua.
João e Marcos / viram e seguiram / [Pedro e José] / na rua e no viaduto.
A segunda frase ilustra um tipo de “expansão” da anterior, por intermédio da coordenação articulada no interior dos sintagmas. Assim, dizemos que as funções sintáticas cumpridas pelos constituintes João, seguiu, Pedro e na rua em se apresentam, sob forma dos respectivos compostos João e Marcos, viram e seguiram, Pedro e José, na rua e no viaduto. O fato de esse teste ser possível em quatro ocasiões indica que temos, quatro sintagmas.
3.Tipos de Sintagmas baseados na composição interna, segundo Azeredo (1995):
a) Sintagma Nominal (SN)
Tem como determinado, ou núcleo, um substantivo comum, acompanhado de determinantes, que costumam anteceder o núcleo do SN: artigos e pronomes (demonstrativos, indefinidos, possessivos, entre outros) ou, que costumam suceder, nomeados mais especificamente de “modificadores” e cumprem a tarefa de qualificar o núcleo referido. Em geral, os determinantes de um SN organizam-se também em sintagmas, subordinados ao núcleo do SN. Hierarquicamente, portanto, o substantivo tem o principal papel no SN, enquanto os demais constituintes cumprem função secundária. O SN pode cumprir as funções sintáticas de sujeito e objeto:
Por exemplo: Em (1), De grão em grão/ a galinha / enche [o papo], o SN a galinha cumpre a função de sujeito. Assim como em (2), Águas passadas / não movem [moinhos], o SN águas passadas também cumpre a função de sujeito. O SN pode também cumprir a função de objeto direto, como em (1) acima: vemos que o papo é o objeto direto do verbo transitivo direto enche. Assim, o papo integra um sintagma maior, como o predicado ou sintagma verbal.
b) Sintagma Verbal (SV)
Caracterizado pela presença obrigatória do verbo. Essa unidade tem a função sintática específica de “predicado”. Em geral, o SV é constituído por outros sintagmas, que atuam como determinantes dentro do SV.
Por exemplo: Nas frases (2) Águas passadas / não movem [moinhos] e (3) João seguiu Pedro na rua, aqui tratadas, podemos identificar, respectivamente, os seguintes sintagmas verbais, que atuam como predicado: não movem moinhos em (2), e seguiu Pedro na rua em (3).
Temos “moinhos”, “Pedro” e “na rua” cumprindo função secundária, como determinantes dentro do SV, uma vez que atuam na complementação do sentido verbal (moinhos, Pedro) ou na atribuição de sentido espacial (na rua). No cumprimento dessa função periférica, esses constituintes se organizam internamente também como sintagmas, em nível inferior de importância.
c) Sintagma Adjetivo (SAdj)
O núcleo ou determinado é um adjetivo, que pode estar acompanhado de determinante, como artigo, pronome ou numeral. Na hierarquia que caracteriza as relações sintagmáticas, o SAdj participa da organização do SN, como parte periférica deste, atuando na condição de estratégia qualificadora, concordando em gênero e número com esse núcleo.
Por exemplo: O SN águas passadas, em (2), em que passadas (SAdj), também no feminino e no plural, concorda com o núcleo águas, funcionando como seu determinante. Seria possível dizermos passadas águas? Talvez sim, mas essa possibilidade seria pouco provável e desencadeadora de efeitos de sentido específicos.
Obs: No caso específico do SAdj, em geral, essa ordem canônica, que é após o núcleo do SN, tende a expressar conteúdo mais referencial e objetivo (águas passadas, homem pobre, mulher grande, cão amigo), enquanto a anteposição ao núcleo do SN cria efeitos mais subjetivos (passadas águas, pobre homem, grande mulher, amigo cão). Esse pequeno teste demonstra como é forte a relação entre semântica e sintaxe, ou seja, como o sentido veiculado é afetado pela ordenação dos constituintes.
d) Sintagma Adverbial (SAdv)
Tem como determinado um advérbio. O sentido veiculado pelo SAdv incide sobre o verbo da frase, ocupando posições e articulando sentidos subsidiários no sintagma maior que integra.
Funciona na expressão de uma série de circunstâncias referentes à ação verbal, como o local, o tempo, o modo, o meio, a intensidade, entre outras de menor frequência. O lugar canônico do SAdv na frase é na parte final, após o núcleo do SV e seus complementos.
Por exemplo: Tomemos a frase (3) como exemplo. Podemos, por um processo de “expansão” de sentido e de forma, ampliá-la para a (15) com a posposição de uma série de SAdv, que vão concorrer para a expressão de variados sentidos da ação verbal:
(3) João seguiu Pedro na rua.
(15) João seguiu Pedro na rua atentamente ontem.
Quando enfatizamos o conteúdo expresso pelo SAdv em uma frase, o sintagma passa a ocupar posição inicial ou intermediária. Na modalidade oral, essa antecipação ou intercalação é acompanhada por pausa; na escrita, costumamos usar vírgula para tal marcação.
(16) Atentamente, João seguiu Pedro na rua ontem.
(17) Ontem, João seguiu Pedro na rua atentamente.
O que motiva a ordem dos sintagmas em (16) e (17) é o tipo de destaque que se faz ou não das circunstâncias expressas. Em (16), enfatiza-se o modo da ação; em (17), o tempo.
e) Sintagma Preposicional (SPrep)
Também chamado de sintagma preposicionado, esse tipo de unidade é constituído a partir de dois arranjos distintos: preposição + SN ou preposição + SAdv. Tal como o SAdj e o SAdv, o SPrep ocupa posição hierárquica inferior em relação ao SN e ao SV, uma vez que funciona como determinante, ou subordinado, destas unidades maiores.
Ao lado do núcleo do SN e do núcleo do SV, o SPrep pode constituir um complemento ou um adendo a esse núcleo. Na função de adendo, o SPrep cumpre papel atributivo, atuando como um adjetivo ou circunstancial. Como são diversas as preposições e sua frequência é grande, os SPreps constituem um tipo de unidade muito usada na sintaxe do português.
Por exemplo: No interior do predicado, o SPrep tende a complementar determinados verbos, como por exemplo: gostar e precisar, que requerem a posposição de unidades do tipo de chocolate e de dinheiro, respectivamente. O SPrep pode atuar como um adjunto adverbial, como de grão em grão ou na rua, ou como um complemento verbal, como de chocolate e de dinheiro. Pelo que estamos vendo, o SPrep é um tipo de formação iniciada por preposição, podendo cumprir funções distintas na oração. Por causa dessa possibilidade, o SPrep pode também funcionar, atuar como um SAdv, tal como de grão em grão e na rua; nesses casos, além de SPrep, pois se iniciam por preposição, essas expressões são também SAdv, pois se referem às circunstâncias de modo e lugar, respectivamente.
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