domingo, 28 de fevereiro de 2016

Literatura Brasileira I - Resumo da Aula 2: Herdando uma biblioteca. Parte I: O cânone literário ao longo do século XIX

Professores Igor Graciano, André Dias e Ilma Rebello

     1) A Formação do Cânone Literário Brasileiro 

O primeiro impulso que caracterizou o Romantismo, sobretudo na sua fase inicial, independente se na prosa romanesca, no teatro ou na poesia, foi o de procurar consolidar uma identidade nacional brasileira. 

Para tanto, os autores do período, através de suas obras, buscaram representar as cenas urbanas e as diversas paisagens regionais de norte a sul do país, e elegeram o índio como a síntese do herói fundador, o legítimo filho da terra. 

O trabalho crítico de construção desse cânone se pautou desde então pelo critério de nacionalidade, pois se tratava de conceber a literatura que se originava e deveria expressar a nação recém-nascida. 

A formação do cânone literário seguiu, de bem perto, o próprio desenvolvimento de nossas relações de dependência e de autonomia com vistas às fontes metropolitanas” (BARBOSA, 1996, p. 23). 

Através de uma perspectiva dialética, revelava a natureza partida de nossa produção intelectual daquele momento, que buscava compreender e expressar o país, porém tinha nas referências estrangeiras um indiscutível paradigma.


     2) As Contribuições Estrangeiras e Nacionais para a Formação do Cânone Literário Brasileiro 

O grande tema que movia os escritores do período romântico girava em torno da tarefa de construção da identidade da nação recém-independente de Portugal. 

Autores como Gonçalves Dias, na poesia, e José de Alencar, na prosa – sobretudo na fase indianista de suas produções – ajudaram a forjar a imagem do índio como o primeiro grande representante do passado histórico brasileiro e protótipo do herói nacional, e buscaram também descrever as paisagens pitorescas do país, como uma estratégia de afirmação das cores locais, com urgência ufanista, pois era preciso superar – pelo menos no plano literário e simbólico – as dificuldades sociais e políticas herdadas do colonialismo.

Alguns dilemas que marcaram a primeira geração romântica, com problemas graves, oriundos da força do poder agrário que era sustentado pela tríade: latifúndio, escravismo e economia de exportação: como o país recém-independente ainda vivia em meio a essas questões inconciliáveis, coube aos escritores românticos a busca pela harmonização, no plano do discurso, da situação de crise social e política vivenciada pela pátria. 

Um país livre sustentado por um regime escravocrata era um dilema quase insolúvel. Nesse sentido, o silêncio em torno da contribuição da cultura negra tanto para a literatura quanto para a formação da nacionalidade brasileira do período é compreensível – não nos esqueçamos que a fuga da realidade foi uma das características marcantes do estilo romântico.

O crítico Roberto Acízelo de Souza, por exemplo, aponta o período que vai do ano de 1805 até o de 1888 como a época da formação do campo da História da Literatura Brasileira. Para chegar a tais datas, o estudioso elegeu – sem, no entanto, assumir posição dogmática – como marco referencial os seguintes episódios: a menção dos nomes de Antônio José da Silva e Cláudio Manuel da Costa, escritores nascidos no Brasil, na obra do alemão Friedrich Bouterwek e a publicação de “História da literatura brasileira, de Sílvio Romero, trabalho que, pela abrangência e fundamentação conceitual, atesta a consolidação da disciplina” (SOUZA, 2007, p. 29). 


     3) A Contribuição dos Autores Estrangeiros 

Segundo Roberto Acízelo de Souza, as práticas historiográficas estrangeiras podem ser classificadas em cinco categorias:
  • A primeira categoria envolve obras, que apesar de, formalmente, pertencerem ao corpo de estudos dedicados à Literatura Portuguesa, se ocupam de autores brasileiros. São eles: o volume Geschichte der Portugiesischen Poesie und Beredsamkeit, (1808) de Friedrich Bouterwek, as obras: De La Littérature Du Midi de L´Europe (1813), do suíço Simonde de Sismondi; Bosquejo da História da Poesia e Língua Portuguesa – introdução da antologia Parnaso lusitano (1826), do português João Batista da Silva Leitão de Almeida Garrett. 
  • A segunda categoria, apesar de desenvolver de maneira mais profunda a História da Literatura Brasileira e de lhe atribuir um tratamento mais independente, ainda vai enquadrá-la como um apêndice da História da Literatura Portuguesa. O trabalho mais expressivo no gênero é o Résumé de L´Histoire Littéraire du Portugual, Suivi du Résumé de L´Histoire Littéraire du Brésil (1826), de Ferdinand Denis. 
  • A terceira categoria colocou, pela primeira vez, a Literatura Brasileira como objeto exclusivo de estudos de críticos estrangeiros. Destacam-se neste grupo dois trabalhos: o ensaio “De La Poesia Brasileña” (1855), do espanhol Juan Valera, publicado na Revista Espanhola de Ambos os Mundos, e a obra de Eduardo Perié publicada em Buenos Aires – porém, editada em português –, intitulada: A Literatura Brasileira nos tempos coloniais: do século XVI ao começo do XIX – esboço histórico seguido de uma bibliografia e trechos dos poetas e prosadores daquele período que fundaram no brasil a cultura de língua portuguesa (1885). 
  • A quarta categoria abrange estudos de caráter marcadamente mais crítico e menos historiográfico. Mesmo assim, tais trabalhos devem ser encarados como relevantes contribuições estrangeiras, em função de abordarem em seu escopo a Literatura Brasileira. Destacam-se nessa categoria os seguintes estudos: do alemão C. Schlichthorst, o capítulo do livro Rio de Janeiro wie es ist (1829); o artigo do português Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo, intitulado “Futuro literário de Portugal e do Brasil”, publicado na Revista Universal Lisboense (1847-1848) e, do também português José da Gama e Castro, uma carta-resposta a um leitor do Jornal do Commercio, em forma de ensaio (1842). 
  • A quinta categoria é formada pelo primeiro estudo exclusivamente dedicado à História da Literatura Brasileira. Le Brésil Littéraire: Histoire de La Litterature Brésilienne (1863), do austríaco Ferdinand Wolf. Tanto Wolf quanto o francês Ferdinand Denis tiveram um papel relevante na formação do pensamento crítico nacional do período. Ambos procuravam incentivar, através de suas obras, os estudiosos brasileiros a adotarem uma perspectiva nacionalista na produção crítica e literária da época. Tornou-se importante referência didática, pela circunstância de sua obra – escrita originalmente em alemão, depois traduzida para o francês e publicada em Berlim sob os auspícios do imperador Pedro II – figurar entre os compêndios adotados na escola brasileira do século XIX (SOUZA, 2007, p. 32). 

     4) A Contribuição dos Autores Nacionais 

São, também, cinco categorias:

     a) Antologias de poesias (também chamadas de parnasos ou florilégios), e histórias literárias propriamente ditas, chamadas à época de “cursos” e “resumos” (preocupadas fundamentalmente com a exposição de um painel de cada período literário): 
  • o trabalho pioneiro foi o Parnaso Brasileiro (1829-1832), de Januário da Cunha Barbosa; 
  • obras mais sólidas, em torno de prólogos amplos e informativos : Parnaso brasileiro (1843-1848), de João Manuel Pereira da Silva, o Mosaico poético (1844), de Joaquim Norberto de Sousa Silva e Emílio Adet e o Florilégio da poesia brasileira (1850- 1853), de Francisco Adolfo Varnhagen; 
  • sem prólogos de valor historiográfico, contando apenas com informações gerais sobre os autores selecionados – o caso de Meandro poético (1864), de Joaquim Norberto de Sousa Silva; o Curso de Literatura Brasileira (1870) (apesar do título, configurava-se como uma antologia) e um terceiro Parnaso brasileiro (1885), de Alexandre José de Melo Morais Filho. 

     b) Ensaios (declarações de princípios sobre a ideia de Literatura Brasileira), efetuou tanto revisões do passado literário quanto considerações sobre seu presente, bem como prognósticos para o futuro da Literatura nacional. Os ensaios produzidos durante o período romântico obedeceram a princípios nacionalistas, que exigiam a afirmação das características locais como um mecanismo de superação do período colonial, tão caro ao país: 
  • Domingos José Gonçalves de Magalhães, com seu “Ensaio sobre a História da Literatura Brasileira” (1836) – publicado originalmente em Paris, na Revista Niterói, com o objetivo de divulgar o Romantismo no Brasil –, figura como o principal articulador da modalidade; 
  • Santiago Nunes Ribeiro, que deixou como legado dois ensaios, intitulados: “Da nacionalidade da Literatura Brasileira” (1843). Ambos os trabalhos foram publicados na revista Minerva Brasiliense, periódico carioca dedicado à difusão do ideário romântico no Brasil. 
   
   c) Galerias (coleções de biografias), concentrou seus esforços na tarefa de organizar coleções de biografias de autores ilustres: 
  • João Manuel Pereira da Silva com seu Plutarco brasileiro (1847). A obra sofreu alterações significativas, vindo a ser reeditada mais tarde sob o título de Varões ilustres do Brasil durante os tempos coloniais (1856 e 1868); 
  • Biografias de alguns poetas e homens ilustres da província de Pernambuco (1856-1858); 
  • Joaquim Norberto de Sousa Silva, brasileiras célebres (1862); 
  • Antônio Henriques Leal, Panteon maranhense (1873-1875). 

   d) Edições de textos (em geral, acompanhadas por breves biografias, críticas e notas explicativas): 
  • Francisco Adolfo Varnhagen se empenhou nas edições dos poemas setecentistas, “O Uraguai, (1769), de José Basílio da Gama”, e Caramuru (1781), de José de Santa Rita Durão, ambos reunidos no livro Épicos brasileiros (1845), sendo responsável também pelas edições de autores do período colonial, tais como: Bento Teixeira (poesia), Vicente do Salvador, Ambrósio Fernandes Brandão e Gabriel Soares de Sousa (prosa); 
  • Joaquim Norberto de Sousa dedicou-se às edições de poetas do século XVIII: Gonzaga (1862), Silva Alvarenga (1864), Alvarenga Peixoto (1865), Gonçalves Dias (1870), Álvares de Azevedo (1873), Laurindo Rabelo (1876) e Casimiro de Abreu (1877); 
  • Alfredo do Vale Cabral foi o responsável pela edição do primeiro volume das obras de Gregório de Matos, dedicado às sátiras (1882). 

   e) Histórias literárias, também chamadas à época de “cursos” e “resumos” (preocupadas fundamentalmente com a exposição de um painel de cada período literário), foram idealizadas com a finalidade de servirem de material didático para as instituições de ensino: 
  • Curso elementar de literatura nacional (1862), de Caetano Fernandes Pinheiro, trata da Literatura Brasileira e da Portuguesa, é que, segundo [o autor], só haveria Literatura Brasileira distinta da Portuguesa a partir da Independência e do Romantismo. (SOUZA, 2007, p. 36); 
  • Curso de Literatura Portuguesa e Brasileira (1866-1873), de Francisco Sotero dos Reis, dedica parte do quarto e quinto volumes ao exame da Literatura nacional. Ele inicia suas análises a partir dos poetas do século XVIII, a quem classificava de precursores e considerava apenas os escritores da fase pós-Independência como autores efetivamente brasileiros.

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