Professores Eduardo Kenedy e Ricardo Lima
Todos os seres humanos, exceto aqueles acometidos por alguma grave patologia, possuem a faculdade de produzir e compreender expressões linguísticas;
Essa faculdade não é inata, porém já aos três anos, essa faculdade se manifesta de maneira bastante produtiva, sendo que por volta dos cinco anos, uma criança já demonstra habilidade linguística equivalente à de adultos.
A partir da adolescência, a capacidade de adquirir uma língua de maneira natural decai significativamente;
Cansados ou com danos cerebrais, mesmo parciais, decai nossa capacidade de produzir e compreender enunciados linguísticos;
Questões como essas são formuladas quando temos a preocupação de entender aspectos da linguagem que estão relacionados à inteligência humana, à nossa cognição. O que é cognição?
Cognição é um termo científico atualmente utilizado para fazer referência ao conjunto das inteligências humanas (ou não, no caso dos estudos de certos animais), diz respeito à aquisição, estocagem, recuperação e uso de CONHECIMENTO. Além da linguagem, são também fenômenos cognitivos: percepção, atenção, memória, conceitos, crenças, raciocínio, emoções, tomadas de decisão, dentre outros.
Obs.: Língua Natural é aquela que emergiu de maneira espontânea e não deliberada no curso da história humana. Língua Artificial é conscientemente inventada por uma pessoa ou por um grupo de indivíduos.
2) A Linguagem como fenômeno cognitivo
As expressões linguísticas são as estruturas que ordenam o trânsito dos significados que vão de uma mente à outra entre indivíduos durante o discurso. São estruturas silenciosas, das quais quase nunca tomamos consciência quando falamos ou ouvimos.
A linguagem é, portanto, um conhecimento tácito, implícito, inconsciente no conjunto da cognição humana. Denominamos esse tipo de conhecimento como conhecimento linguístico ou competência linguística.
Obs.: Tipos de conhecimento - No estudo da cognição, distinguimos “conhecimento declarativo”, do qual somos conscientes, e “conhecimento tácito”, do qual não temos consciência. Com relação particularmente à linguagem, as informações que adquirimos na escola sobre a gramática da língua portuguesa – como, por exemplo, o nome das classes de palavras e das funções sintáticas – são uma espécie de conhecimento declarativo/explícito. Por outro lado, a nossa capacidade de produzir e compreender palavras, frases e discursos de maneira natural em nosso cotidiano é exemplo de conhecimento tácito/implícito.
Além de silenciosas, as estruturas das línguas naturais manipuladas pela mente são geralmente muito complexas.
A faculdade da linguagem é, com efeito, a disposição biológica que todos os indivíduos humanos saudáveis possuem para adquirir, produzir e compreender palavras, frases e discursos. Temos essa capacidade porque ela é uma característica natural de nossa espécie.
O porquê e o como da linguagem na mente humana são os objetos de pesquisa da linguística como ciência cognitiva.
3) Linguística como ciência cognitiva
Chamamos de ciências cognitivas o conjunto das disciplinas, independentes, porém interdisciplinares (a psicologia, a neurociência, a inteligência artificial, a filosofia da mente, a antropologia), que têm em comum o objetivo de compreender a natureza e o funcionamento da mente humana, a nossa cognição.
Quando os linguistas interpretam a linguagem como uma faculdade psicológica dos seres humanos, a linguística passa a ser uma das ciências cognitivas, que tem a tarefa de descrever e explicar, de forma articulada com os demais estudos de cognição, a natureza, a origem e o uso da linguagem humana.
4) Principais Perguntas da Linguística como ciência cognitiva
1) Como é o conhecimento linguístico existente na mente das pessoas?
2) Como esse conhecimento é adquirido pela criança já nos primeiros anos de vida?
3) Como esse conhecimento é posto em uso, em situação real, pelos indivíduos?
4) Como esse conhecimento é produzido pelo cérebro humano?
Na busca de respostas para tais questões, a linguística subdivide-se em três áreas especializadas em certos tipos de problemas:
a) a teoria linguística,
b) a psicolinguística (formula experimentos científicos a fim de testar a cognição não linguística em seres humanos) e
c) a neurolinguística (utiliza instrumentos sofisticados para observar o funcionamento do cérebro humano quando estamos envolvidos em atividades cognitivas linguísticas e não linguísticas (como a visão, a tomada de decisão, as emoções).
5) A Teoria Linguística
Sua tarefa é, portanto, formular uma teoria (nas ciências, uma “teoria” é uma explicação unificada para um conjunto de dados e de observações sobre determinado fenômeno) que explicite a natureza do conhecimento linguístico inscrito na mente dos seres humanos. Deve elaborar uma hipótese abstrata a respeito de como a linguagem deve funcionar na mente humana. Formular hipóteses sobre como deve ser o conhecimento linguístico existente na mente das pessoas.
O modelo linguístico mais influente nas ciências cognitivas é o gerativismo, que também pode ser chamado de linguística gerativa, gramática gerativa, teoria gerativa, ou ainda, num termo mais antigo, gramática gerativo-transformacional.
Para o gerativismo, a linguagem é uma faculdade mental capaz de “gerar” as frases que somos capazes de produzir e compreender.
O gerativismo teve início nos anos cinquenta do século XX, quando Noam Chomsky, norte-americano professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA), formulou suas primeiras ideias a respeito da natureza mental da linguagem humana.
Para Chomsky, a teoria linguística deve descrever os procedimentos mentais que “geram” as estruturas da linguagem, como as palavras, as frases e os discursos.
A linguística ocupava-se quase exclusivamente da dimensão social e histórica da linguagem humana, tal como acontecia no estruturalismo linguístico (Ferdinand de Saussure e Leonard Bloomfield - estruturalismo europeu e norte-americano, respectivamente). Com Chomsky, a morada da linguagem e das línguas naturais passou a ser a mente dos indivíduos.
Chomsky demonstrou o caráter criativo da linguagem humana, sua natureza mental e abstrata, por oposição ao modelo de linguagem como “comportamento condicionado pelo ambiente” defendido pelos behavioristas.
No chamado Programa Minimalista, Chomsky defende a hipótese de que todas as línguas naturais são um conjunto de princípios universais e inatos e de parâmetros, também inatos, mas formatados durante o período da aquisição da linguagem.
6) Psicolinguística
Caracteriza-se como uma ciência empírica cujo objetivo é investigar de que maneira as crianças adquirem uma língua natural e como os indivíduos adultos produzem e compreendem palavras, frases e discursos no tempo real da comunicação cotidiana.
A psicolinguística deve testar as hipóteses abstratas do modelo gerativista no estudo concreto da aquisição, da produção e da compreensão da linguagem, de modo a encontrar ou não evidências que as confirmem.
7) Neurolinguística ou Neurociência da Linguagem
É uma ciência empírica cujo objetivo é compreender os mecanismos cerebrais que dão origem à linguagem humana, dedica-se ao estudo da mente, isto é, das funções cognitivas visíveis no comportamento humano, ocupa-se do cérebro, seus neurônios e suas sinapses – os sistemas físicos, químicos e biológicos que tornam a mente possível.
8) Para compreendermos a diferença Psicolinguística e Neurolinguística
Se fizermos uma metáfora, entenderemos que a mente são os nossos softwares psicológicos (campo da Psicolinguística), como a linguagem, a visão, o raciocínio etc., enquanto a superfície física que torna possível o uso desses softwares é o cérebro (campo da Neurolinguística), o nosso hardware neuronal.
Obs: As áreas do cérebro responsáveis pela linguagem humana:
área de Broca (produção) e área de Wernicke (compreensão).
9) Os três campos dos estudos linguísticos
Assim, a realidade teórica do conhecimento linguístico é o objeto das pesquisas em teoria linguística (o “quê” da competência linguística humana). Já a psicolinguística tem como objeto de estudo a realidade psicológica das línguas naturais no seu funcionamento em tempo real na mente humana (o “como” dos processos psicológicos pelos quais o conhecimento linguístico se realiza na mente humana). Por fim, o objeto da neurolinguística é a realidade neurológica da linguagem no cérebro, em sua substância eletroquímica (o “onde” dos processos neurológicos que realizam fisicamente a linguagem na substância neuronal do cérebro).
10) A integração dos campos dos estudos linguísticos
Os estudos da teoria linguística serão articulados às descobertas sobre a realidade psicológica e a neurológica da linguagem, de modo que se torne possível formular respostas integradas às questões “o que é conhecimento linguístico?”, “como ele é adquirido?”, “como ele é usado?” e “quais são seus substratos neurológicos?”.
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