domingo, 28 de fevereiro de 2016

Teoria da Literatura I - Resumo da Aula 2: Construção do Conceito de literatura

Professor José Luís Jobim


     1) Introdução 

O senso comum pode significar um repertório de ideias, valores e opiniões vistas como verdadeiras pela comunidade em que se enraízam e que serviriam de base para a vida desta comunidade.

Quando hoje usamos o termo literatura, há um referente para este termo em nosso meio social. 

Só se pode dizer algo sobre literatura se, na comunidade em que nos encontramos, existe um referente para este termo; se em nossa sociedade existe concretamente algo que corresponde ao termo literatura.


    2) O Julgamento e seu Contexto 

Inicialmente, quando elaboramos julgamentos sobre um “objeto”, é necessário assinalar que:



1. De alguma forma pagamos tributo ao que se pensa deste “objeto”, no momento em que elaboramos nosso julgamento;

2. O que se pensa deste “objeto”, no momento em que elaboramos nosso julgamento, também tem relação com momentos históricos anteriores;

3. Os procedimentos tradicionalmente adotados de abordagem do pensamento vigente deste “objeto” interferem nos julgamentos possíveis que são elaborados, a partir destes procedimentos. 

Os procedimentos adotados por analistas anteriores constituem um repertório prévio de abordagem da obra, servem como referência para a análise de agora e ficam como referência para procedimentos posteriores, que podem ser desenvolvidos a partir de, conforme ou mesmo contra estes procedimentos de antes – mas, em todos os casos, tendo-os como referência. Mesmo quando eu declaro que discordo do procedimento de um crítico anterior e do julgamento baseado neste procedimento, ainda assim estou utilizando o trabalho deste crítico como referência. Ou seja, para negar a validade de um procedimento crítico anterior, ou questionar os julgamentos derivados deste procedimento, preciso levar em consideração tanto o procedimento quanto os julgamentos anteriores, pois é a partir deles que poderei construir minha argumentação contra eles.

Podemos dizer que, se nosso esforço de investigação se dirige à literatura, para enunciar o que ela é ou como ela é, isto implica que de alguma forma ela já seja previamente dada, previamente existente, pois a investigação presume um “objeto” sobre o qual ela ocorrerá. 

Husserl diria que o “objeto” está lá, com um caráter familiar: ele é apreendido como objeto de um tipo já conhecido de alguma maneira, ainda que seja de uma generalidade vaga. 


     4) O Senso Comum e a Construção do Conceito 

Havia uma ideia de literatura presente em nossa sociedade. Isto significa dizer que no senso comum já existia um horizonte anterior ao conceito, um horizonte com o qual teremos de dialogar.

Quando pensamos sobre literatura hoje, pagamos um tributo ao que já se pensou sobre literatura antes, e que está presente como referência para o nosso pensamento atual, ainda que não saibamos conscientemente.

Portanto, podemos dizer que este horizonte, constituído pelo que já se pensou sobre literatura antes, e que está presente como referência para o nosso pensamento atual, estabelece uma certa indução, um certo direcionamento para o que se vai pensar agora e depois. 

Por isso, Husserl afirma que um objeto, qualquer que seja, não é nada que seja isolado e separado, mas é sempre já um objeto situado em um horizonte de familiaridade e de pré-conhecimento típicos. Ou seja, só podemos conhecer um objeto qualquer a partir do conhecimento de outros objetos que nos são familiares, conhecimento que pode, inclusive, levar-nos à conclusão de que este é um objeto “novo”, diferente dos que conhecemos e que são parecidos com ele. 

Tanto nosso julgamento sobre o passado – determinando o que ele é – quanto nossas projeções para o futuro – imaginando o que ele poderá vir a ser – têm as marcas deste horizonte.


     5) Sentidos de Longa e de Curta Duração: a Perspectiva Histórica 

Vamos considerar como “longa duração” períodos muito mais longos do que a própria vida singular de um ser humano: acima de 600 anos. Por outro lado, por “curta duração” entenderemos períodos de até 250 anos.

Dentre os sentidos de longa duração do termo literatura podemos assinalar aquele derivado da língua latina, que vai de litterae (letras) a litteratura, e depois a todas as palavras correspondentes nas línguas ocidentais, como: literatura (português e espanhol), literature (inglês), literatur (alemão), littérature (francês), letteratura (italiano) etc. Vamos recordar que a palavra latina littera em Português virou letra, o que já traz para o termo literatura uma associação incontornável com a escrita. E é bom lembrar que na Antiguidade Clássica, no tempo dos romanos, e por muitos séculos depois a escrita era uma atividade de poucos e para poucos, pois poucos sabiam ler e escrever. 

Antes da invenção da imprensa e logo após a mesma, o que era colocado em letra (littera em Latim) era algo que era valorizado por alguma razão (fossem leis, registros contábeis, textos religiosos, textos poéticos ou outros). Daí a associação do termo litteratura ao universo do que é escrito, do que aparece através de letras. 

Então, este sentido de longa duração que leva de litterae (letras) a litteratura, em Latim, e depois a todas as palavras correspondentes nas línguas ocidentais, é um sentido antigo e abrangente, designando o universo do que é escrito, a totalidade do conhecimento cultural, expresso em uma pluralidade de gêneros e obras. Este sentido, ligado ao universo do que é escrito, também pode ser associado à ideia de um “objeto”, de algo efetivamente existente no mundo real, seja um texto ou um conjunto de textos, com conteúdos e formas diferentes. 

Aparecem também ligadas a este sentido as significações de modelo e exemplo. Como?

Modelo, entre outras coisas, quando se utiliza o conteúdo atribuído a determinado texto para uma suposta modelização comportamental, ética, religiosa, social etc. A partir desta perspectiva, pode-se presumir que o leitor de determinados textos depreende deles “lições” sobre a vida, a sociedade, a religião, a moral etc.

Exemplo, quando se apresenta a forma de determinado texto como algo a ser imitado por sua “perfeição”, “maestria” ou coisa semelhante. Assim, pode-se presumir que a leitura de textos “exemplares”, vistos como "clássicos", paradigmas, modelos legitimadores dos que os seguem, matrizes da produção textual posterior, poderia fundamentar a aspiração do leitor a compor um texto "satisfatório", pela aplicação de fórmulas conhecidas e aprovadas em textos modelares, ao escrever os seus próprios. 

Dentre os sentidos mais pontuais ou de duração menor, poderíamos citar a ideia do autor como gênio que expressa no texto a sua subjetividade privilegiada, ideia que fez parte da ideologia romântica e ainda permanece como um certo substrato de sentido até os dias de hoje. 

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