Professor José Luís Jobim
1. Senso Comum
Podemos definir como aquilo que as pessoas comunalmente acreditariam, naquilo que elas incorporariam como se fosse uma espécie de conhecimento “natural”, intuitivo, preconceitual, pré-teórico (Romanos = “sensus communis“).
Significaria um repertório de ideias, valores e opiniões vistos como verdadeiras pela comunidade em que se enraízam e que serviriam de base para a vida dessa comunidade, sem crer na necessidade de uma análise crítica e reflexiva do conjunto de ideias, valores e opiniões vistos como “comuns”.
Qualquer movimento de análise do que estaria subentendido, implícito ou não formalizado verbalmente no senso comum já estaria a contramão daqueles sentidos.
O filósofo italiano Giambatista Vico, por exemplo, acreditava que a vontade humana era direcionada não apenas por uma racionalidade universal abstrata (presente nas reflexões científicas e filosóficas do século), mas pela comunidade concreta do senso comum que emerge de um grupo, povo ou nação.
Immanuel Kant assinalava que na sua época a compreensão humana comum (vulgar) seria meramente uma compreensão sólida, mas não cultivada: ela era o mínimo que se poderia esperar de um ser humano, sendo um senso compartilhado por todos nós; como um poder de julgar que, ao refletir, considera antes, a priori, em nosso pensamento, os modos de todos os outros apresentarem o assunto que vamos examinar.
Para o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer, é um sentido que fundamenta a comunidade, um repertório de valores e visões de mundo enraizados em comunidades humanas, tem um papel relevante na vida das pessoas. Assim, haveria, dentro das tradições comuns (sem ser uma espécie de “precondição permanente” para todas as leituras, porque nós a estaríamos elaborando e algumas vezes questionando), uma etapa anterior em nosso processo de conhecimento, como consequência da comunalidade que nos liga à tradição comum. Antes mesmo de interpretarmos um texto, por exemplo, possuiríamos valores e visões de mundo que de algum modo ajudariam a direcionar nossa compreensão textual. Portanto, se o homem é um ser histórico, isto significa que o conhecimento de si nunca pode ser completo.
Gadamer considera que nosso julgamento paga um pesado tributo a nossos preconceitos. Preconceito, segundo ele, significa um julgamento que é formulado antes que todos os elementos que determinam uma situação tenham sido examinados. O horizonte do presente não é um conjunto fixo de opiniões e valorações, estaria continuamente sendo formado porque continuamente teríamos de testar nossos preconceitos, e uma importante parte desse teste ocorreria ao encontrar o passado e compreender a tradição comum da qual viemos. A compreensão seria sempre a fusão desses horizontes (passado e presente), supostamente existentes por si próprios.
Numa tradição, esse processo de fusão estaria continuamente em movimento, o velho e o novo sempre combinando em alguma coisa de valor para a vida, sem que nenhum seja, de modo claro ou explícito, previamente fundamentado no outro.
Nesse contexto de pensamento, podemos entender melhor o argumento de Gadamer quando ele afirma que, dentre tudo que chegou a nós por via escrita, um desejo de permanência criou as formas únicas de continuidade que chamamos de literatura. Esta não nos apresentaria somente um estoque de memórias e sinais. Em vez disto, a literatura teria adquirido sua própria contemporaneidade com cada presente, pois compreendê-la não significaria somente voltar o raciocínio para o passado, mas envolver-se com o que é dito no presente. A compreensão da obra não seria apenas uma relação entre pessoas, entre o autor e o leitor, mas significaria compartilhar o que o texto compartilha com todos.
2. Conceito (de Literatura)
A etimologia do termo conceito remete ao vocábulo latino conceptus, cujos sentidos são gerar, conceber, remetendo à criação, ao surgimento de algo que não havia antes, de algo que é concebido no entendimento, de concepção do espírito humano. Geralmente é associado a um certo trabalho especializado, desde a sua formulação.
Por oposição à ideia de senso comum como uma percepção e um entendimento generalizado, informal, irrefletido e enraizado na vida da comunidade, teríamos, então, a ideia do conceito como a produção de um entendimento mais formal, fruto de um trabalho que resulta em um conhecimento, conhecimento este que, por sua vez, é consequência de uma reflexão sobre o real, colocando em questão as próprias ideias apreendidas informalmente pelo senso comum.
Este tipo de oposição entre senso comum e conceito pode levar as pessoas a crerem que apenas o conceito produz conhecimento válido, enquanto o senso comum é fonte de todos os erros derivados das opiniões herdadas acriticamente.
Podemos dizer que o conceito é uma forma de resposta ao que nos é dado, ao que está diante de nós e motiva-nos a apreendê-lo. O conceito surge da exploração do objeto que se quer qualificar, tipificar, conhecer, enfim.
Significa que, ao elaborar um conceito de literatura efetivo e colocá-lo em vigência nos julgamentos que fazemos sobre os textos reais que lemos, poderemos classificá-los como literários ou não. Quando eu digo “isto não é literatura”, tenho uma referência positiva a algo que considero como “literatura”. É a partir desta referência que posso julgar “isto” como “não sendo literatura”.
Cotidianamente, a expressão senso comum pode designar um suposto conjunto de ideias e opiniões, vistas como verdadeiras pela comunidade de pessoas que nelas creem, presumindo uma percepção e um entendimento comuns e irrefletidos sobre uma série de coisas presentes na vida de determinada comunidade. Assim, existe uma série de ideias e opiniões sobre o que é literatura no senso comum. Em oposição ao sentido de senso comum como uma percepção e um entendimento generalizado, informal, irrefletido e enraizado na vida da comunidade, teríamos então o sentido do conceito como a produção de um entendimento mais formal, fruto de um trabalho que resulta em um conhecimento.
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