domingo, 24 de janeiro de 2016

Literatura Brasileira I - Resumo da Aula 1: História da Literatura Brasileira, Historiografia da Literatura Brasileira e... outras histórias


Professores Igor Graciano e André Dias 

1) Diferenciando História de Historiografia (Literatura Brasileira) 

Segundo Roberto Acízelo, em sua obra Introdução à Historiografia da Literatura Brasileira:

a) História da Literatura (visão histórico-cultural) pode ser compreendida como “o fenômeno constituído pelos desdobramentos e transformações no tempo de uma entidade chamada Literatura Brasileira” (p. 10), ou seja: devemos ter em mente que estamos lidando com o segmento dos estudos literários que concentra suas preocupações em apresentar as origens e o desenvolvimento da Literatura nacional;

b) Historiografia da Literatura (perspectiva da individualidade estética) designa “o corpo de obras consagradas ao estudo desse fenômeno” (p. 10) , ou seja: corresponde ao esforço dos mais variados grupos de estudiosos da área literária que buscaram e, ainda hoje, buscam construir trabalhos de natureza crítica e teórica sobre o tema. 


2) Por uma concepção de História da Literatura Brasileira 

Quadro Sinótico em duas grandes eras:

a) Era Colonial, que procura abarcar as manifestações literárias ocorridas durante o período colonial brasileiro, contendo os períodos literários designados como: Quinhentismo, Barroco e Arcadismo. 

b) Era Nacional, que busca acompanhar o desenvolvimento da Literatura Brasileira desde os primeiros passos hesitantes do novo país que procurava se estabelecer após a independência de Portugal até o presente, contendo os períodos: Romantismo, Realismo/Naturalismo, Parnasianismo, Simbolismo, a fase de transição qualificada como Pré-Modernismo, o Modernismo e as chamadas tendências da Literatura contemporânea – um “guarda-chuva” que abarca as mais diversas manifestações literárias. 

Obs: Pioneirismo foi o trabalho do historiador e ensaísta Francisco Adolpho de Varnhagen. Com a publicação de Épicos brasileiros (1845) e Florilégio da poesia brasileira (1851-1853), o historiador teve o mérito de ter sido “o primeiro brasileiro a empreender uma obra rigorosa e pensada de erudição e coleção de textos” (CANDIDO, 1988, p. 19). 


3) Por uma concepção de Historiografia da Literatura Brasileira 

O historiógrafo tem como preocupação principal lançar um olhar crítico sobre a produção literária de um determinado escritor ou sobre o trabalho de um grupo deles. Entretanto, é imprescindível compreender que todo crítico constrói seu trabalho a partir de uma fundamentação teórica, e que esta é sempre responsável por orientar e conduzir suas reflexões sobre a Literatura.

É muito importante ter em mente que as atribuições do historiador e do historiógrafo da Literatura, em muitos momentos, podem convergir sem provocar qualquer conflito de interesses: “Em um livro de crítica, mas escrito do ponto de vista histórico, como este, as obras não podem aparecer em si, na autonomia que manifestam, quando abstraímos as circunstâncias enumeradas; aparecem, por força da perspectiva escolhida, integrando em dado momento um sistema articulado e, ao influir sobre a elaboração de outras, formando, no tempo, uma tradição (CANDIDO, 1981, p. 24). “

Obs.: O crítico britânico Terry Eagleton, em sua obra Teoria da Literatura: uma introdução (1997), discorre sobre as três definições de Literatura mais recorrentes no século XX. São elas: 1) a Literatura como “escrita imaginativa”, no sentido de ficção – escrita que não é literalmente verídica; 2) Como linguagem trabalhada para causar “estranhamento”, afastando-se, assim, da linguagem comum do dia a dia; 3) como linguagem “autorreferencial”, isto é, uma linguagem que fala de si mesma.

Porém são respostas insuficientes, pois nem todos os textos considerados literários, portanto, cabem nas três definições indicadas. A conclusão a que se chega é que não há uma essência da Literatura, ou seja, uma característica ou grupo de características comuns a todas as obras que nos habilite a considerá-las como especificamente literárias. Para o teórico inglês, em sua obra Teoria da Literatura, isso “significa que podemos abandonar, de uma vez por todas, a ilusão de que a categoria ‘literatura’ é ‘objetiva’, no sentido de ser eterna e imutável”.

Se há uma divisão vigente entre textos literários e não literários, essa divisão se dá a partir de critérios historicamente construídos, de modo que um texto tido como literário hoje pode não o ser amanhã... Um bom exemplo disso é a carta de Pero Vaz de Caminha, que não sendo Literatura no momento de sua escrita, tornou-se posteriormente Literatura, pelo trabalho crítico de algumas historiografias literárias, sendo, finalmente, inserida no cânone literário como texto fundador da Literatura nacional.

Diante desses argumentos, conclui-se que qualquer definição sobre o que seja ou não Literatura é carregada de historicidade, isto é, um conjunto de critérios legitimados pelos valores de seu tempo e grupo social que “escolhem” um corpus de textos como sendo literário em detrimento de outro ou de corpus tidos como não literários. As historiografias literárias, como visto anteriormente, têm um papel fundamental na constituição desse corpus, ao qual, no nosso caso particular, chamamos de Literatura Brasileira.

“Não existe uma obra ou uma tradição literária que seja valiosa em si, a despeito do que se tenha dito, ou se venha a dizer, sobre isso. "Valor" é um termo transitivo: significa tudo aquilo que é considerado como valioso por certas pessoas em situações específicas, de acordo com critérios específicos e à luz de determinados objetivos (EAGLETON, 1997, p. 16). “

Portanto, a historiografia e seus resultados dependem do ponto de vista de quem a pratica, de modo que, assim como há diferentes opiniões individuais sobre um mesmo acontecimento, a análise crítica do conjunto de textos da Literatura Brasileira repercute os valores do grupo sociocultural a que o historiador pertence, o que torna o mar da Historiografia quase tão vasto em possibilidades quanto o da própria Literatura para a qual ela se volta.


sábado, 23 de janeiro de 2016

Teoria da Literatura I - Resumo da Aula 1: Senso Comum e Conceito de Literatura




Professor José Luís Jobim


1. Senso Comum


Podemos definir como aquilo que as pessoas comunalmente acreditariam, naquilo que elas incorporariam como se fosse uma espécie de conhecimento “natural”, intuitivo, preconceitual, pré-teórico (Romanos = “sensus communis“).

Significaria um repertório de ideias, valores e opiniões vistos como verdadeiras pela comunidade em que se enraízam e que serviriam de base para a vida dessa comunidade, sem crer na necessidade de uma análise crítica e reflexiva do conjunto de ideias, valores e opiniões vistos como “comuns”.

Qualquer movimento de análise do que estaria subentendido, implícito ou não formalizado verbalmente no senso comum já estaria a contramão daqueles sentidos.

O filósofo italiano Giambatista Vico, por exemplo, acreditava que a vontade humana era direcionada não apenas por uma racionalidade universal abstrata (presente nas reflexões científicas e filosóficas do século), mas pela comunidade concreta do senso comum que emerge de um grupo, povo ou nação.

Immanuel Kant assinalava que na sua época a compreensão humana comum (vulgar) seria meramente uma compreensão sólida, mas não cultivada: ela era o mínimo que se poderia esperar de um ser humano, sendo um senso compartilhado por todos nós; como um poder de julgar que, ao refletir, considera antes, a priori, em nosso pensamento, os modos de todos os outros apresentarem o assunto que vamos examinar.

Para o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer, é um sentido que fundamenta a comunidade, um repertório de valores e visões de mundo enraizados em comunidades humanas, tem um papel relevante na vida das pessoas. Assim, haveria, dentro das tradições comuns (sem ser uma espécie de “precondição permanente” para todas as leituras, porque nós a estaríamos elaborando e algumas vezes questionando), uma etapa anterior em nosso processo de conhecimento, como consequência da comunalidade que nos liga à tradição comum. Antes mesmo de interpretarmos um texto, por exemplo, possuiríamos valores e visões de mundo que de algum modo ajudariam a direcionar nossa compreensão textual. Portanto, se o homem é um ser histórico, isto significa que o conhecimento de si nunca pode ser completo.


Gadamer considera que nosso julgamento paga um pesado tributo a nossos preconceitos. Preconceito, segundo ele, significa um julgamento que é formulado antes que todos os elementos que determinam uma situação tenham sido examinados. O horizonte do presente não é um conjunto fixo de opiniões e valorações, estaria continuamente sendo formado porque continuamente teríamos de testar nossos preconceitos, e uma importante parte desse teste ocorreria ao encontrar o passado e compreender a tradição comum da qual viemos. A compreensão seria sempre a fusão desses horizontes (passado e presente), supostamente existentes por si próprios.


Numa tradição, esse processo de fusão estaria continuamente em movimento, o velho e o novo sempre combinando em alguma coisa de valor para a vida, sem que nenhum seja, de modo claro ou explícito, previamente fundamentado no outro.


Nesse contexto de pensamento, podemos entender melhor o argumento de Gadamer quando ele afirma que, dentre tudo que chegou a nós por via escrita, um desejo de permanência criou as formas únicas de continuidade que chamamos de literatura. Esta não nos apresentaria somente um estoque de memórias e sinais. Em vez disto, a literatura teria adquirido sua própria contemporaneidade com cada presente, pois compreendê-la não significaria somente voltar o raciocínio para o passado, mas envolver-se com o que é dito no presente. A compreensão da obra não seria apenas uma relação entre pessoas, entre o autor e o leitor, mas significaria compartilhar o que o texto compartilha com todos.

 

2. Conceito (de Literatura)


A etimologia do termo conceito remete ao vocábulo latino conceptus, cujos sentidos são gerar, conceber, remetendo à criação, ao surgimento de algo que não havia antes, de algo que é concebido no entendimento, de concepção do espírito humano. Geralmente é associado a um certo trabalho especializado, desde a sua formulação.


Por oposição à ideia de senso comum como uma percepção e um entendimento generalizado, informal, irrefletido e enraizado na vida da comunidade, teríamos, então, a ideia do conceito como a produção de um entendimento mais formal, fruto de um trabalho que resulta em um conhecimento, conhecimento este que, por sua vez, é consequência de uma reflexão sobre o real, colocando em questão as próprias ideias apreendidas informalmente pelo senso comum.


Este tipo de oposição entre senso comum e conceito pode levar as pessoas a crerem que apenas o conceito produz conhecimento válido, enquanto o senso comum é fonte de todos os erros derivados das opiniões herdadas acriticamente.


Podemos dizer que o conceito é uma forma de resposta ao que nos é dado, ao que está diante de nós e motiva-nos a apreendê-lo. O conceito surge da exploração do objeto que se quer qualificar, tipificar, conhecer, enfim.


Significa que, ao elaborar um conceito de literatura efetivo e colocá-lo em vigência nos julgamentos que fazemos sobre os textos reais que lemos, poderemos classificá-los como literários ou não. Quando eu digo “isto não é literatura”, tenho uma referência positiva a algo que considero como “literatura”. É a partir desta referência que posso julgar “isto” como “não sendo literatura”.


Cotidianamente, a expressão senso comum pode designar um suposto conjunto de ideias e opiniões, vistas como verdadeiras pela comunidade de pessoas que nelas creem, presumindo uma percepção e um entendimento comuns e irrefletidos sobre uma série de coisas presentes na vida de determinada comunidade. Assim, existe uma série de ideias e opiniões sobre o que é literatura no senso comum. Em oposição ao sentido de senso comum como uma percepção e um entendimento generalizado, informal, irrefletido e enraizado na vida da comunidade, teríamos então o sentido do conceito como a produção de um entendimento mais formal, fruto de um trabalho que resulta em um conhecimento.